São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2008

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Zé Cabala e o menino de Barra Bonita


"Abrem-se as cortinas", "O teeempo passa", "Crepúsculo de jogo" e "Agüenta, coração!" foram alguns de seus bordões

NO SÁBADO , quando cheguei ao sacrossanto templo de Zé Cabala, que fica no quartinho dos fundos de sua casa, encontrei-o sentado em posição de lótus. Mal ele me viu e disse: "Já sei, você quer falar com um grande narrador do rádio, não é?"
"Exatamente", respondi impressionado. "Como o senhor sabe? Previu a minha chegada pelos astros? Leu a minha mente? Foi informado por um espírito?" "Não, é que ele estaria fazendo 80 anos hoje, e jornalistas adoram efemérides. Bem, vamos lá."
Então ele entoou um mantra que parecia um rádio mal sintonizado, até que falou: "Abrem-se as cortinas! Começa o espetáculo!" "Fiori Gigliotti?" "A seu dispor."
"Puxa, que emoção! Sabe que eu narrava os meus jogos de botão imitando o senhor? Eu usava todos os seus bordões: "O teeempo passa", "Crepúsculo de jogo!", "Uma Beleza de Gol!", "Aguenta, coração!'".
"Ora, ora..." "É verdade. Mas vamos deixar de tietagem e começar a entrevista.
Quando o sr. começou a trabalhar?" "Bom, meu pai morreu muito cedo, quando eu tinha de 12 para 13 anos. Éramos em nove irmãos, e eu precisava me virar. Então peguei uma caixa de sabão e fiz uma caixa de engraxar sapatos."
"E como locutor de rádio?" "Foi com 17 anos, lá em Lins. Eu escrevia um programa chamado "A Marcha do Esporte" e pedi para apresentá-lo, porque o locutor não se interessava por futebol. A princípio os diretores relutaram, mas, quando deixaram, a audiência do programa subiu uma barbaridade."
"É verdade que, quando o senhor trabalhava em Araçatuba, no fim da década de 40, fazia tanto sucesso que uma fã chegou a pular a janela de sua pensão; e o pai dela queria obrigá-los a se casarem?" "Vamos falar de futebol, filho."
"E depois, quando o senhor se casou com dona Adelaide, havia mesmo seis seguranças para lhe proteger de algumas fãs inconformadas?" "Voltemos ao futebol..." "Está bem. Quando foi sua estréia como narrador?" "Em 1952, num jogo-treino entre a seleção paulista e o Santos."
"Para que time o senhor torcia?" "Eu gostava do Linense, do qual também fui jogador."
"Qual o melhor jogo ao qual o senhor assistiu?" "Santos e Benfica, na final da Copa Intercontinental de 62."
"E o mais emocionante?" "Brasil e Espanha, na Copa do Chile. O Pelé tinha se machucado, e a Espanha tinha uma seleção muito forte, que ainda por cima começou ganhando de 1 a 0. Eu fiquei desesperado. Mas o Brasil virou para 2 a 1.
Foi uma emoção fantástica, porque, se a seleção perdesse, a Copa também estava perdida."
"O sr. esteve em quantas Copas?" "Em dez. Por azar, ou sorte, morri antes de começar a última."
"E o senhor sempre pensou em ser narrador?" "Sim. Lembro que, quando eu era criança e ia ao campo, narrava o jogo numa lata de tomate vazia."
"Bem, obrigado, acho que por hoje é só. O senhor poderia encerrar a entrevista daquele jeito?" "Será um prazer: Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo!"

torero@uol.com.br



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