São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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FUTEBOL

Só pessoas que carregavam foto de Serginho puderam assistir ao enterro

Família cria senhas para ter paz no adeus a zagueiro

GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A CORONEL FABRICIANO

THIAGO GUIMARÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CORONEL FABRICIANO

"O Senhor guardará a tua saída e a tua entrada." Estampado atrás da foto de Serginho em um prospecto distribuído a seus parentes, o trecho do Salmo 121 não figurava apenas uma mera homenagem ao atleta do São Caetano.
O extrato da oração poética foi seguido à risca na manhã de ontem. Só as pessoas que o carregavam em punho puderam entrar no enterro do jogador.
A manobra foi arquitetada pelos parentes da mulher de Serginho, Helaine Cunha, e posta em prática em parceria com a Polícia Militar de Coronel Fabriciano (localizada a 215 km de Belo Horizonte), cidade mineira incrustada no chamado Vale do Aço.
O objetivo: evitar tumulto e dar privacidade à família na despedida do corpo do zagueiro, 30, que morreu na última quarta-feira após uma parada cardiorespiratória sofrida no segundo tempo da partida contra o São Paulo, no estádio do Morumbi.
O plano começou na madrugada. A população pôde acompanhar o velório no ginásio do clube Casa de Campo até as 5h, quando os portões foram fechados -30 mil pessoas passaram pelo local, segundo a PM.
Por volta das 8h20, antes de o caixão ser cerrado e levado para o cemitério Vale da Saudade, começou a entrega dos "santinhos". Além do Salmo 121, o preferido do jogador no livro da Bíblia que reúne cânticos de louvor e agradecimento a Deus, a folha continha uma imagem do atleta atuando pelo São Caetano, uma réplica de seu autógrafo e o endereço de seu site (www.serginho3.com.br).
Quando o corpo deixou o local e foi colocado em um carro dos bombeiros, a PM deu o aviso: "Só vamos permitir a entrada no cemitério de pessoas que tiverem o santinho na mão", explicou o comandante Moisés Marinho.
A medida frustrou uma multidão que se aglomerava do lado de fora do ginásio. No cemitério, a cena se repetiu -ao menos 200 pessoas não conseguiram passar.
Quem pôde acompanhar toda a cerimônia observou, ainda no velório, momentos de comoção.
Dos sete atletas do São Caetano que foram a Coronel Fabriciano, só o atacante Euller pediu a palavra. Ele foi até o caixão nos momentos finais do velório e puxou sozinho um canto religioso. No segundo verso, o coro engrossou.
O pastor Renato tomou as rédeas na seqüência. Membro da igreja Evangelho Quadrangular, da qual Serginho fazia parte, ele reiterava que "o garoto era do bem, era querido, porque combateu o bom combate". Parentes e atletas começaram a chorar.
Quando a tampa que cobriria o rosto do zagueiro apareceu, a tristeza deu lugar à preocupação.
Virgílio Ribeiro Silva, 69, e Ana Oliveira da Silva, 68, pai e mãe do jogador, passaram mal. Ambos haviam tomado remédios durante a madrugada para controlar a ansiedade. Acabaram sendo afastados do caixão.
Depois de assistidos por um médico, conseguiram recobrar a saúde. Só então a comitiva partiu para o Vale da Saudade.
Enquanto as 36 coroas de flores eram colocadas ao lado do caixão de Serginho no caminhão dos bombeiros, um vendedor de jornal aproveitava para incrementar seu orçamento.
À moda antiga, berrava "extra, extra, extra", para atrair a atenção dos transeuntes na calçada em frente ao velório. Oferecia uma brochura com a manchete "O Último Adeus de Serginho".
O comboio deu uma pequena volta na cidade e parou no cemitério por volta das 11h.
A família seguiu direto para a quadra Azaléia, jazigo 154, onde Serginho seria enterrado.
Já próximo à sepultura, novo momento delicado: Helaine pediu para o caixão ser reaberto antes de desaparecer na vala. Começou uma pequena discussão entre os familiares do jogador. Por fim, pediram para a mulher "se controlar" e decidiram declinar o pedido -o enterro seria sacramentado naquele instante. Helaine acatou a decisão do grupo.
Alheia ao assédio para cumprimentos, a mulher de Serginho preferiu o isolamento após o ato.
Assim que o caixão foi coberto por terra, ela desgarrou-se dos amigos. Dirigiu-se a uma região descampada do cemitério, sentou-se na grama e chorou. Ficou assim até que as pessoas começaram a deixar o Vale da Saudade.


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