São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2011

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MINHA HISTÓRIA

LUIS GONZALEZ DE ALBA

Sobrevivente

Ex-dirigente estudantil conta como o Exército mexicano tomou a cidade universitária da capital do país no Massacre de Tlatelolco, em outubro de 1968. "Que mais eu podia esperar a não ser que nos matassem ?"

RESUMO
Em 2 de outubro de 1968, dez dias antes da Olimpíada, estudantes que faziam uma manifestação na praça das Três Culturas, em Tlatelolco, na Cidade do México, foram reprimidos pelo Exército. Até hoje não se conhecem os culpados nem o número de mortos, que varia de 30 a 200. O episódio marcou a Olimpíada. O escritor Luis Gonzalez de Alba, 67, sobreviveu ao Massacre de Tlatelolco e foi preso.

Daniel Marenco/Folhapress
Luis Gonzales de Alba, em sua casa, em Guadalajara

MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A GUADALAJARA

Te conto o que eu vi.
O Exército tomou a cidade universitária na Cidade do México no dia seguinte ao dia da independência [16 de setembro]. Houve um escândalo. Nunca havia acontecido algo assim no México.
Todos nós, dirigentes estudantis, havíamos nos escondido e perdido contato. Éramos cerca de 300. A grande maioria havia voltado [para suas cidades]. Eu podia ter voltado para Guadalajara, mas não voltei.
No dia 30, soubemos que o Exército havia saído e chamamos dirigentes para uma reunião, não mais de 40, e lá disseram que o presidente havia nomeado enviados para negociar. No dia 2, encontramos [com os enviados do governo] na casa do reitor e marcamos de nos ver no dia 3.
Não havia comício mais seguro do que o de 2 de outubro, que faríamos na praça das Três Culturas, em Tlatelolco. Havíamos acabado de negociar com o governo.
Chegamos à praça, e uns foram ao terceiro andar do edifício em que foi posto o sistema de som. Era uma área ampla, vazada com vista da praça, perfeita para comício.
De repente, alguém chegou e me disse: "Luis, Tlatelolco está rodeado pelo Exército". Eu disse: "E daí? Sempre tem havido Exército onde fazemos nossos comícios".
Nos disseram também que o edifício estava rodeado por jovens de nossa idade, na casa dos 20 anos, em roupa civil e com uma luva branca na mão esquerda. Então cancelamos a passeata que faríamos. Disseram: "Avisa pelo microfone aos que estão na praça que não haverá marcha. E se apressem, terminem isso rápido e vamos".
Antes do "vamos", surgiram dois helicópteros. De um, caiu um sinalizador verde, do outro, um vermelho. Nessa hora, já vinham pelas escadas os de luva branca, com a pistola na mão: "Agora vamos lhe dar sua revolução, seus filhos da puta".
Meus amigos perceberam e tomaram a única saída possível, subir. Eu, não por ser heroico, mas por ser curioso, fiquei no terceiro andar.
Fiquei completamente pasmado. As pessoas na praça sentiram o Exército avançando em suas costas e passaram a correr em direção ao edifício, mas pararam como se tivessem batido num vidro. Havia Exército do outro lado.
Todos que ficamos no terceiro andar fomos colocados com as mãos na parede. E eles passaram a atirar a esmo nas pessoas [na praça]. E o Exército começou a disparar.
As balas começaram a pegar no teto e foram baixando, como se [quem atira] fosse se afastando. Os de luva branca se jogaram no chão, assustados. Me perguntei: "Por que eles estão assustados? É claro que, se você atira contra o Exército, ele vai revidar".
As balas foram baixando e já estávamos quase levando tiros nas mãos. Já sentíamos as fagulhas quentes nas pontas dos dedos quando nos mandaram deitar no chão.
Eu só pensava que em dois, três ou dez segundos iam metralhar a todos que estavam ali no chão. Tinha certeza de que estavam metralhando todos que estavam no comício.
Por ouvir tamanho estrondo de balas, de metralhadoras, achei que estavam massacrando todos. Que mais eu podia esperar a não ser que nos matassem? Sabia que iam nos metralhar.
Os de luva branca começam a gritar, e a primeira coisa que ouço é "batalhão de limpia", de limpar. Mas continuam a gritar e percebo que dizem "Batalhão Olímpia".
Não sabíamos, mas era um batalhão especial com formação antiterrorista para cuidar das instalações olímpicas.
Eles gritavam: "Batalhão Olímpia, não disparem". Acho que não esperavam que o Exército atirasse de volta.
A chave de Tlatelolco é quem enviou Olímpia para montar essa provocação. Porque foi uma provocação.
Minha surpresa foi que não me mataram. Chegou a noite, chegou a madrugada. Eu estava certo de que haviam matado todos. Subimos em caminhões militares e nos levaram ao campo militar. Pensei que iam nos matar ali.
Quando nos levaram para o presídio [dias depois], no primeiro domingo de visitas, chegaram meus amigos. Quando perguntei quem de nós haviam matado, disseram: "Ninguém, a não ser você". Alguém havia visto meu corpo com o crânio destroçado por uma baioneta.


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