São Paulo, sexta-feira, 30 de novembro de 2007

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FÁBIO SEIXAS

Mundo pequeno


Um quase monólogo na madrugada sobre carrinhos, pilotos, sono, trabalho, fogo, frio, a casa, a vida, enfim


E NTÃO, FILHA, é assim...
Este aqui é o corredor, que sai do seu quarto e vai pro resto do mundo. Um dia você vai sair engatinhando por aí e vai aprender melhor os caminhos. Todos eles. Aqui é o quarto da mamãe e do papai e ali é o escritório, onde a gente fica trabalhando muito, quando não está no trabalho, trabalhando também.
Ó... Já estamos no escritório. E essa aqui é a coleção de carrinhos do papai. Um dia o papai te dá uns carrinhos... Mas nesses aqui você não pode mexer, tá bom? Tá vendo que legais? São bem diferentes daquele que você andou outro dia, saindo da maternidade, e naquele outro, indo pra pediatra. Ainda bem, né? Porque esses aqui não têm capota nem vidro e você não pode tomar friagem, é o que suas avós disseram mil vezes.
Então, vou te contar umas histórias pra ver se você dorme um pouco e dá um descanso pra gente, tá? O papai trabalha com esses carros engraçados aí. Durante muuuuuito tempo, o papai ficou viajando dum lado pro outro atrás desses troços. O papai foi pra cada lugar esquisito...
Tinha uns lugares muito longe, que não chegavam nunca. Tem um lugar chamado Japão e um outro chamado Malásia... Não dava pra dormir direito, toda hora a gente acordava, era um sofrimento só. O papai tem lembrado muito dos vôos para essa tal Malásia desde a semana passada.
Tá vendo aquele carrinho vermelhinho ali? Aquele ali era de um moço alemão, que não cansava de ganhar corrida. Ele ganhava de todo mundo, o tempo todo. Esse aí foi um dos primeiros carrinhos vermelhos que o moço teve, mas nessa época ele não ganhava quase nada, coitado. Quem ganhava naquela época era esse aqui, do carrinho prateado e da cabeça azul. Que não é bem a cabeça, mas um dia eu te explico isso direito.
Eles dois têm filhos também, sabia? E só agora o papai tá entendendo como eles eram malucos de correr tão rápido tendo nenês em casa. Ah, é, tem uns outros carrinhos vermelhos... Esse aqui é um dos preferidos do papai. O moço bateu e pegou fogo, sabia? É, pegou fogo, ficou todo machucado, mas depois voltou. Um dia o papai te mostra o fogo e te ensina a não brincar com ele. Vai te falar coisas como "xixi na calça", mas não vai adiantar muito porque um dia você vai brincar mesmo, vai se queimar, vai chorar e só aí vai aprender que não é uma coisa legal.
E aquele azulzinho ali? Que carro mais maluco, né, filha? Tem um monte de roda. Vamos contar? Uma, duas, três, quatro, cinco... Seis rodas! Outro legal é esse preto. Este aqui foi o primeiro moço brasileiro que foi correr lá longe e ganhou. Um dia, sabe, ele caiu de um aviãozinho com o filho dele. O papai ficou lá na porta do hospital, trabalhando, mas nem de longe imaginava a aflição que o moço, que já não era nem um pouco moço, estava sentindo. Mas os dois ficaram bem. Que bom, né?
Filha? Filha? Shhhhhhhh... Isso, dorme bem. Depois, papai te conta outras histórias. Muitas outras.

fseixas@folhasp.com.br


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