São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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FUTEBOL

Competência e invenção

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Dois gols me chamaram a atenção nos jogos do meio da semana do Campeonato Brasileiro: o de Kléber, do Atlético-PR, contra o Palmeiras, e o segundo de Luís Fabiano, do São Paulo, contra o Goiás.
Talvez não tenham sido os mais bonitos da rodada, mas foram os mais... perfeitos.
Hesitei em usar uma palavra tão grandiosa, mas não encontrei outra para expressar aquilo que é realizado com tamanha precisão e competência. E os dois gols em questão foram exatamente isso: lances tão límpidos e sem "ruído" que pareciam saídos daqueles videogames de futebol (do tipo "Fifa 2002"). Além disso, foram praticamente iguais.
Na quarta-feira, Adriano, do Atlético-PR, foi até a linha de fundo e, um centímetro antes que a bola saísse, cruzou alto para o meio da área. Entre a marca do pênalti e a linha da pequena área, Kléber subiu mais que a zaga e cabeceou com força e exatidão. O segundo gol do São Paulo, no dia seguinte, foi a mesma coisa, com Júlio Batista no papel de Adriano, e Luís Fabiano, no de Kléber.
Poucas coisas dão tanto prazer na vida quanto contemplar um trabalho bem feito, seja ele um poema, uma feijoada, um muro, uma tapeçaria ou mesmo uma jogada de futebol.
É um momento de admiração e regozijo, em que nós pensamos: "Puxa, o sujeito que fez isso é mesmo do ramo".
Talvez pensemos também: "Veja só as coisas que um ser humano é capaz de fazer".
Adriano, Kléber, Júlio Batista e Luís Fabiano são "do ramo", não há dúvida. Por meio desses jogadores, quero celebrar a competência profissional, a seriedade na prática de um ofício.
Mas, pelo menos no futebol, a competência nem sempre é suficiente. É preciso, muitas vezes, uma qualidade muito mais rara: a invenção.
Os jogadores celebrados acima não inventaram nada. Poderíamos até usar isso como um elogio, num certo sentido: em vez de "inventar moda", fizeram o básico, a jogada mais mortal e infalível que já foi concebida, o cruzamento da linha de fundo.
Em certas circunstâncias, porém, a invenção é imprescindível. Quando a marcação adversária é incansável e inteligente, não deixando espaços para as jogadas costumeiras, é preciso imaginar alternativas, fazer o inesperado, reinventar o jogo num segundo.
Um exemplo: na partida contra o Cruzeiro, o Corinthians até que conseguiu manter a posse de bola, trocar passes, impor um certo domínio territorial. Mas praticamente não chegou à área do adversário (tanto que seu gol foi de falta, de média distância).
O que faltou? Faltou alguém que descobrisse espaços insuspeitados, que desfizesse num instante o nó lógico da partida e desconcertasse a marcação adversária.
Em uma palavra: faltou um jogador como Ricardinho (ou ainda um Marcelinho).
Esse mesmo Ricardinho vai estrear amanhã no São Paulo, provavelmente no lugar do "apenas" competente Júlio Batista. Com isso, o tricolor, que já tem Kaká, terá outro "inventor" no time.
Pode ser que os dois não se entendam e batam cabeça no meio de campo. Pode ser que o vigor de Júlio Batista faça falta ao time. Mas eu não apostaria nisso. O mais provável é que o São Paulo, que já está forte, se torne um time quase imbatível. Afinal, terá os dois melhores jogadores em atividade no país. E isso não é pouco.

Novo calendário
O que há de positivo no novo calendário que está sendo proposto, a meu ver, é o reforço do campeonato nacional e o fim da Copa dos Campeões. Mas, como observaram vários leitores, talvez a tentativa de ressurreição dos estaduais seja demasiado artificial e ilusória, pois eles não se sustentariam na prática (com a possível exceção do Paulista). De todo modo, não é algo a ser decidido nos gabinetes de uma TV, tendo como parâmetros sua programação e tabela de anúncios.

Dança das cabeças
No futebol brasileiro, os treinadores estão sempre na marca do pênalti. Figueirense, Flamengo, Goiás, Inter e Bahia já mudaram de técnico. Quando o time perde, a torcida quer que alguém pague sua frustração. Sobra sempre para o técnico, mesmo que as razões da crise sejam outras. Murtosa que se cuide.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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