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Com direito a bola e taça, Lula vira torcedor
Petista faz piada com argentinos, fala de craques estrangeiros e elogia Dunga
Presidente afirma que não estará no poder em 2014 e que desafio de organizar uma Copa do Mundo
é "incomensurável"
Steffen Schmidt/Efe
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O presidente Lula com a Taça Fifa na Suíça |
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE
Luiz Inácio Lula da Silva despiu-se ontem das vestes de presidente da República para adotar, com indisfarçável entusiasmo, as de torcedor de futebol
fanático pelo Brasil, mas admirador também de craques de
outras nacionalidades.
O torcedor Lula teve direito a
tudo que um torcedor da elite
consegue, desde uma bola oficial (a da Euro-2008, que será
na Suíça e na Áustria) até uma
provocação aos argentinos, claro, como sonharia qualquer
ocupante das tribunas do Maracanã, Mineirão ou Morumbi.
No discurso comemorativo
da designação oficial do Brasil
como sede da Copa de 2014,
Lula dirigiu-se diretamente ao
presidente da Associação de
Futebol Argentino, Julio Grondona, sentado nas primeiras fileiras do auditório, para dizer
que o Brasil, "orgulhosamente", organizaria "uma Copa do
Mundo pra argentino nenhum
colocar defeito" (terminada a
cerimônia, Grondona foi o primeiro a abraçar Lula).
Lula vestiu tanto a camisa do
futebol que comparou sua função com a de técnico da seleção,
ao fazer a seguinte filosofada:
"É sempre muito difícil ser técnico da seleção brasileira, porque cada um de nós, brasileiros,
se acha técnico. Cada jornalista
que comenta [futebol] se acha
técnico. Cada ex-jogador se
acha técnico [ao lado dele, Romário, semi-aposentado como
jogador, estreante como técnico, nem sorriu]. Mas tem alguém que, meia hora antes da
partida, tem que colocar no papel quem entra".
Aí, saiu para a comparação:
"É como presidente da República. Tá cheio de gente que
acha que é fácil, que dá palpite.
Mas tem hora que tem que tomar decisão". Receita para essa
hora, para técnico da seleção ou
para presidente da República:
"Não pode dar muito ouvido.
Tem que apostar no seu taco".
O torcedor Lula aposta no taco de Dunga. Expôs o seguinte
raciocínio ao lado do técnico:
"Dunga fez uma coisa importante agora na Copa América.
Quando alguns jogadores não
quiseram ir [alusão óbvia a Kaká e Ronaldinho], todo mundo
já tinha a Argentina como campeã porque tem gente no Brasil
que gosta de se derrotar por antecipação. A Copa América foi
uma demonstração de que o
brasileiro pode perder uma
partida, mas não pode perder o
orgulho de ser brasileiro".
O dia do torcedor Lula começou antes de ele chegar à Casa
da Fifa. Foi no Hotel Eden au
Lac, quando recebeu a presidente do Conselho Federal da
Suíça, Micheline Calmy-Rey,
que, de repente, tirou de uma
sacola a bola oficial da Euro-2008 e deu de presente a Lula.
O presidente abriu um sorriso, brincou com a bola, tamborilou com os dedos sobre ela,
para diversão dos fotógrafos
que viram o encontro.
Lula aproveitou para reivindicar uma vaga para o Brasil na
Eurocopa. Não, não é ignorância da geografia. É o uso de uma
imagem que o ex-presidente
francês Jacques Chirac utilizava sempre que recebia um presidente brasileiro: o Brasil é o
país que tem com a França a
mais extensa fronteira terrestre, por causa da Guiana Francesa. Essa imagem foi repetida
tanto para Fernando Henrique
Cardoso como para Lula, que a
usou com Calmy-Rey para pedir vaga na Copa dos outros.
Mas o momento que seria o
máximo para qualquer torcedor não foi inteiramente aproveitado por Lula.
Ele recebeu a réplica da Taça
Fifa, o troféu entregue aos campeões mundiais, fez menção de
erguê-la, como Bellini (1958),
Mauro Ramos (1962), Carlos
Alberto (1970), Dunga (1994) e
Cafu (2002). Mas conteve-se e
apenas fez a taça circular de
mãos em mãos para seus companheiros de delegação, igualmente tímidos para praticar o
gesto mais clássico de qualquer
Copa do Mundo.
O que Lula-torcedor não perdoou foi a chance de homenagear craques de porte, como
Michel Platini, o francês em
grande medida responsável pela eliminação do Brasil na Copa
de 1986. De quebra, o presidente cometeu uma gafe, citando
gol de pênalti do ex-meia (na
verdade, ele perdeu a penalidade na disputa decisiva, mas
marcou o tento do empate em 1
a 1 no tempo normal).
Em troca, ganhou um abraço
apertado quando a festa acabou
desse ex-jogador, agora presidente da Uefa.
Elogiou mais ainda o alemão
Franz Beckenbauer, por ele definido como "um dos maiores
jogadores que o mundo produziu". Emendou depressa, como
qualquer torcedor brasileiro o
faria: "Só não é o maior porque
quis Deus que o Brasil produzisse o Pelé".
Lula não escondeu que estava "dividido: um pouco presidente e um pouco amante do
futebol". O torcedor predominou, mas, na roupa de presidente, Lula admitiu que organizar a Copa de 2014 "é uma tarefa imensa, incomensurável".
Acrescentou: "Mas, se fomos
capazes de fazer uma quando
eu tinha quatro anos e seis meses (em 1950), imagine o que
não podemos fazer quando eu
tiver 69 anos de idade".
Nesse momento, Lula jura
que será apenas torcedor. À saída da Casa da Fifa, um jornalista perguntou: "Vai doer no coração não estar comandando o
país na Copa de 2014?".
Resposta: "Não, porque estarei lá como torcedor, se Deus
quiser".
E o presidente-torcedor saiu
para o frio de uma tarde de chuva fina em Zurique para tomar
o avião de volta ao Brasil.
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