São Paulo, quarta-feira, 31 de outubro de 2007

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Com direito a bola e taça, Lula vira torcedor

Petista faz piada com argentinos, fala de craques estrangeiros e elogia Dunga

Presidente afirma que não estará no poder em 2014 e que desafio de organizar uma Copa do Mundo é "incomensurável"

Steffen Schmidt/Efe
O presidente Lula com a Taça Fifa na Suíça


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE

Luiz Inácio Lula da Silva despiu-se ontem das vestes de presidente da República para adotar, com indisfarçável entusiasmo, as de torcedor de futebol fanático pelo Brasil, mas admirador também de craques de outras nacionalidades.
O torcedor Lula teve direito a tudo que um torcedor da elite consegue, desde uma bola oficial (a da Euro-2008, que será na Suíça e na Áustria) até uma provocação aos argentinos, claro, como sonharia qualquer ocupante das tribunas do Maracanã, Mineirão ou Morumbi.
No discurso comemorativo da designação oficial do Brasil como sede da Copa de 2014, Lula dirigiu-se diretamente ao presidente da Associação de Futebol Argentino, Julio Grondona, sentado nas primeiras fileiras do auditório, para dizer que o Brasil, "orgulhosamente", organizaria "uma Copa do Mundo pra argentino nenhum colocar defeito" (terminada a cerimônia, Grondona foi o primeiro a abraçar Lula).
Lula vestiu tanto a camisa do futebol que comparou sua função com a de técnico da seleção, ao fazer a seguinte filosofada: "É sempre muito difícil ser técnico da seleção brasileira, porque cada um de nós, brasileiros, se acha técnico. Cada jornalista que comenta [futebol] se acha técnico. Cada ex-jogador se acha técnico [ao lado dele, Romário, semi-aposentado como jogador, estreante como técnico, nem sorriu]. Mas tem alguém que, meia hora antes da partida, tem que colocar no papel quem entra".
Aí, saiu para a comparação: "É como presidente da República. Tá cheio de gente que acha que é fácil, que dá palpite. Mas tem hora que tem que tomar decisão". Receita para essa hora, para técnico da seleção ou para presidente da República: "Não pode dar muito ouvido. Tem que apostar no seu taco".
O torcedor Lula aposta no taco de Dunga. Expôs o seguinte raciocínio ao lado do técnico: "Dunga fez uma coisa importante agora na Copa América. Quando alguns jogadores não quiseram ir [alusão óbvia a Kaká e Ronaldinho], todo mundo já tinha a Argentina como campeã porque tem gente no Brasil que gosta de se derrotar por antecipação. A Copa América foi uma demonstração de que o brasileiro pode perder uma partida, mas não pode perder o orgulho de ser brasileiro".
O dia do torcedor Lula começou antes de ele chegar à Casa da Fifa. Foi no Hotel Eden au Lac, quando recebeu a presidente do Conselho Federal da Suíça, Micheline Calmy-Rey, que, de repente, tirou de uma sacola a bola oficial da Euro-2008 e deu de presente a Lula.
O presidente abriu um sorriso, brincou com a bola, tamborilou com os dedos sobre ela, para diversão dos fotógrafos que viram o encontro.
Lula aproveitou para reivindicar uma vaga para o Brasil na Eurocopa. Não, não é ignorância da geografia. É o uso de uma imagem que o ex-presidente francês Jacques Chirac utilizava sempre que recebia um presidente brasileiro: o Brasil é o país que tem com a França a mais extensa fronteira terrestre, por causa da Guiana Francesa. Essa imagem foi repetida tanto para Fernando Henrique Cardoso como para Lula, que a usou com Calmy-Rey para pedir vaga na Copa dos outros.
Mas o momento que seria o máximo para qualquer torcedor não foi inteiramente aproveitado por Lula.
Ele recebeu a réplica da Taça Fifa, o troféu entregue aos campeões mundiais, fez menção de erguê-la, como Bellini (1958), Mauro Ramos (1962), Carlos Alberto (1970), Dunga (1994) e Cafu (2002). Mas conteve-se e apenas fez a taça circular de mãos em mãos para seus companheiros de delegação, igualmente tímidos para praticar o gesto mais clássico de qualquer Copa do Mundo.
O que Lula-torcedor não perdoou foi a chance de homenagear craques de porte, como Michel Platini, o francês em grande medida responsável pela eliminação do Brasil na Copa de 1986. De quebra, o presidente cometeu uma gafe, citando gol de pênalti do ex-meia (na verdade, ele perdeu a penalidade na disputa decisiva, mas marcou o tento do empate em 1 a 1 no tempo normal).
Em troca, ganhou um abraço apertado quando a festa acabou desse ex-jogador, agora presidente da Uefa.
Elogiou mais ainda o alemão Franz Beckenbauer, por ele definido como "um dos maiores jogadores que o mundo produziu". Emendou depressa, como qualquer torcedor brasileiro o faria: "Só não é o maior porque quis Deus que o Brasil produzisse o Pelé".
Lula não escondeu que estava "dividido: um pouco presidente e um pouco amante do futebol". O torcedor predominou, mas, na roupa de presidente, Lula admitiu que organizar a Copa de 2014 "é uma tarefa imensa, incomensurável". Acrescentou: "Mas, se fomos capazes de fazer uma quando eu tinha quatro anos e seis meses (em 1950), imagine o que não podemos fazer quando eu tiver 69 anos de idade".
Nesse momento, Lula jura que será apenas torcedor. À saída da Casa da Fifa, um jornalista perguntou: "Vai doer no coração não estar comandando o país na Copa de 2014?".
Resposta: "Não, porque estarei lá como torcedor, se Deus quiser".
E o presidente-torcedor saiu para o frio de uma tarde de chuva fina em Zurique para tomar o avião de volta ao Brasil.


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