São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 2008

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azarão

Massa não se imagina ainda campeão

Das dificuldades na escola às da carreira na F-1, ferrarista conta como lida com a expectativa de levar o título mundial

Em entrevista, brasileiro mais próximo do sucesso desde Senna afirma que Barrichello errou e que vai saber ganhar ou perder


Antonio Lacerda/Efe
Felipe Massa e Lewis Hamilton, ontem, em entrevista no autódromo

TATIANA CUNHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Há cinco anos, Felipe Massa olhava na internet se teria alguma chance na Indy caso "o pior acontecesse". A partir de hoje, com os primeiros treinos livres para o GP Brasil, começa a buscar seu lugar na história da F-1 e do automobilismo nacional. Pode ser o primeiro piloto brasileiro desde Ayrton Senna a ser campeão mundial. E, diferentemente do tricampeão, moldado de pequeno para o sucesso, o ferrarista teve de lutar desde cedo para chegar a Interlagos com chances de título. Suas chances, porém, são pequenas. Tem de vencer ou ser segundo e torcer por um mau resultado de Lewis Hamilton. Talvez por isso ainda não tenha se dado conta da dimensão do que pode conseguir. "Até hoje isso não passou pela minha cabeça. Fazer a última corrida do ano em casa e ser campeão do mundo... Isso é uma coisa que não consigo imaginar." Dos difíceis tempos no colégio à pressão criada pelo "efeito Senna" e ao que considerou um erro de Rubens Barrichello ao chegar à categoria, Massa, 27, falou ontem à Folha nos boxes da Ferrari por quase meia hora.

 

FOLHA - Depois do segundo GP você não tinha nenhum ponto e seu companheiro era o campeão. Achou que seu ano tivesse acabado ali?
FELIPE MASSA
- Achei que o começo tinha sido difícil. Perder pontos importantes nas duas primeiras corridas foi complicado, mas sabia que o campeonato era longo e que as coisas podiam mudar. Sabia que estava numa situação em que não podia errar, em que tinha que marcar pontos em quase todas as corridas. E se os outros também erraram, eu acabei tendo mais problemas depois. Mas consegui virar a situação e brigar de igual pra igual.

FOLHA - Se vê no mesmo nível de Raikkonen, Alonso, Hamilton ou acha que estar lutando pelo título se deve a uma conjunção de fatores?
MASSA
- De jeito nenhum. Temos um nível bem parecido, o que se comprova ainda mais por eu ter um companheiro de equipe que foi campeão mundial no ano passado e neste ano eu ter andado melhor que ele. Isso mostra que tenho potencial e por isso me ponho 100% nesse nível, sem dúvida.

FOLHA - Em algum momento de sua carreira você pensou em desistir? Achou que não tinha nascido para isso, pensou em voltar a estudar?
MASSA
- "Não nasci pra isso" eu nunca pensei. E "vou voltar a estudar" também não [risos]. Mas que ia ter que parar, eu achei direto. Às vezes, eu fazia uma corrida boa e sabia que nem isso era suficiente. Você perde um pouco o ânimo às vezes, mas a esperança, nunca. Por isso, é importante manter a motivação e o pensamento positivo. Depois que fui mandado embora da Sauber, quando fui piloto de testes [da Ferrari, em 2003], achei que as coisas tinham se complicado bastante. Vários dias pensei "acho que vai ser difícil voltar" ou "as coisas acontecem sempre comigo". Pra falar a verdade, já cheguei a estar em casa, sem fazer nada, e comecei a ver na internet, na pior das hipóteses, o que seria o ideal. Olhei Indy, turismo... Olhava pra ver se tinha oportunidade nas outras categorias, mas nunca fiz contato. Sempre coisas ligadas ao automobilismo. É o que sei fazer.

FOLHA - Estudou até quando?
MASSA
- Acabei a escola com muito esforço. Repeti a primeira e a segunda série. É difícil ver alguém que repetiu as duas [risos]. E, por incrível que pareça, consegui passar até a sétima, mas, na oitava, mudei pra uma escola mais fácil. Depois, comecei a correr e fiz o segundo e o terceiro colegial no supletivo. Arrumei um no Cambuci e ia de ônibus. No ano seguinte, minha mãe me encheu tanto o saco que prestei publicidade na Belas Artes e entrei, mas era o primeiro ano do curso e acho que todo mundo que prestou naquele ano entrou. Fiz seis meses e fui pra Europa.

FOLHA - Você acha que o peso que se criou após a morte do Senna fez mal aos pilotos brasileiros?
MASSA
- Difícil dizer. Tenho o Senna como piloto inatingível. Você nunca vai me ver me comparando a ele. Na época já era um dos melhores e, infelizmente, morreu e ficou essa coisa. Sempre vai ter essa imagem de deus do automobilismo. É importante pra um país que tem tradição, mas você sempre vai estar abaixo do Senna. O Brasil é um país que cobra muito, mas sou brasileiro, corro pelo meu país. Você tem que ser homem suficiente pra mostrar de onde veio. Corro pra ter sucesso, mas pela bandeira também.

FOLHA - E o efeito Barrichello? Ele tem uma imagem de perdedor para muitos. Acha que a torcida está mais cautelosa com você por isso?
MASSA
- Sou superamigo dele e por isso posso dizer que a imagem dele como piloto é completamente diferente da dele como pessoa. O problema é que o período dele foi muito difícil. Foi logo depois da morte do Senna, e as pessoas estavam chateadas. Ele tentou fazer uma coisa que podia parecer certa, mas foi errada, que é prometer. Ele queria mostrar que ia dar o gostinho de vencer novamente. Acho que você tem que se colocar pra baixo do que é porque não é você que tem que dizer o que é. As pessoas é que têm que perceber. Se você não promete e faz seu trabalho, as pessoas te colocam pra cima.

FOLHA - Isso pesou quando assumiu o lugar dele na Ferrari?
MASSA
- Claro. Aprendi muita coisa vendo o que estava acontecendo com ele e tentei fazer o contrário, em razão do que ele passou e do que passa.

FOLHA - O Brasil é um país em que o segundo colocado é visto como perdedor. Como lidar com isso e saber que suas chances são pequenas?
MASSA
- Sou pé no chão, humilde, sei ganhar como sei perder. Isso não vai mudar nada na minha característica como piloto nem como pessoa. Saindo como segundo, saio de cabeça erguida. O que mais quero é vencer, claro, mas às vezes não dá. Como brasileiro, e como pessoa, sei perder. Vou fazer tudo que puder pra ganhar [o GP Brasil e o Mundial], e espero que as pessoas entendam. Mas também se não entenderem, já não é mais culpa minha.

NA TV - Treinos livres do GP Brasil
Sportv, ao vivo, às 10h e às 14h



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