São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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HISTÓRIA

Estréia de filme é oportunidade para conhecer melhor a personagem, retratada em livro do escritor Fernando Morais

Olga para ver e ler

LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

É a tal história: se a gente pensa em tragédias coletivas, no fundo não conseguimos enxergar nada. Mas, se ouvimos o relato de uma tragédia particular e específica, a história de um martírio, ocorrida na vida de um indivíduo, não só conseguimos perceber aquele sofrimento mas, paradoxalmente, temos uma visão de conjunto da dor de muitos.
Se eu escrevo "6 milhões de pessoas inocentes foram mortas pelo regime nazista", nós fazemos uma vaga idéia de que isso é terrível. Mas, se escrevo "Olga Benário, alemã e militante comunista, passou toda a gravidez na cadeia, no Brasil e na Alemanha de Hitler, dando à luz sua filha Anita -amamentada pela mãe e depois tirada dos seus braços e entregue a parentes-, sobrando para si o destino medonho do campo de trabalhos escravos, tortura, maus-tratos, fome, doenças e, finalmente, a morte numa câmara de gás, sem nunca mais ter visto nem a filha nem o marido", o impacto é diferente.
A história dessa mulher ganha agora uma versão cinematográfica, a partir da excelente biografia escrita pelo jornalista Fernando Morais. Nela, podemos verificar a existência desse paradoxo entre o individual e o coletivo, o particular e o geral.
Olga Benário nasceu na Alemanha, em 1908. Saiu de casa com menos de 18 anos e passou a estudar política e história e a militar na organização popular. Envolvida na política comunista, Olga aprende a manejar armas, a pilotar avião, a saltar de pára-quedas. Transforma-se numa destacada militante revolucionária profissional. Em 1934, é designada para uma missão especial: ser a responsável pela segurança pessoal de um líder político de fama já mundial, que voltaria a seu país de origem, o Brasil, para fazer a revolução. Era Luís Carlos Prestes, que, na década de 20, comandara a famosa Coluna Prestes. Ao final da viagem, passaram a ser marido e mulher.
Em março de 1936, os dois são presos pelo governo brasileiro e separados um do outro. Olga descobre estar grávida e começa uma campanha de colegas de cadeia para que ela não fosse deportada para a Alemanha nazista. Mas os esforços foram inúteis. Olga embarcou num navio que a entregou à polícia hitlerista. Foi para uma prisão, depois para um campo de trabalhos forçados, depois para a morte.
Morreu com 34 anos incompletos, em fevereiro de 1942. Na última carta que enviou ao marido, escreveu: "Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor para o mundo".
O livro de Fernando Morais é impressionantemente bom de ler. Não há como escapar ao sombrio encanto dessa história, contada em ritmo de reportagem e isenta de intenções sensacionalistas.
Aliás, é realmente um milagre que o autor tenha escapado também à tentação de transformar Olga e seus companheiros em santos, considerando que a redação do livro aconteceu há 20 anos, quando o mundo comunista ainda existia, antes da queda do Muro de Berlim.
Morais soube evitar as armadilhas ideológicas porque se fixou nos fatos e na humanidade dos personagens. Se fosse só um romance de espionagem, seria já sensacional, tal a velocidade vertiginosa da trama, com agentes secretos, delações, fugas, traições, heroísmos; mas é um relato realista, de coisas ocorridas debaixo deste mesmo céu, o que aumenta muito o interesse.


Luís Augusto Fischer é professor de literatura da UFRGS e autor de "Literatura Brasileira - Modos de Usar", Editora Abril

livro e filme
"Olga" - O LIVRO
autor: Fernando Moraes
editora: Companhia das Letras
preço: R$38

"Olga" - O FILME
direção: Jayme Monjardim
elenco: Camila Morgado (Olga), Caco Ciocler (Luiz Carlos Prestes), Fernanda Montenegro (Leocádia), Osmar Prado (getúlio Vargas)
estréia: dia 20 de agosto


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