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HISTÓRIA
Estréia de filme é oportunidade para conhecer melhor a personagem, retratada em livro do escritor Fernando Morais
Olga para ver e ler
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
É a tal história: se a gente pensa em
tragédias coletivas, no fundo não
conseguimos enxergar nada. Mas,
se ouvimos o relato de uma tragédia particular e específica, a história de um martírio,
ocorrida na vida de um indivíduo, não só
conseguimos perceber aquele sofrimento
mas, paradoxalmente, temos uma visão de
conjunto da dor de muitos.
Se eu escrevo "6 milhões de pessoas inocentes foram mortas pelo regime nazista",
nós fazemos uma vaga idéia de que isso é
terrível. Mas, se escrevo "Olga Benário, alemã e militante comunista, passou toda a
gravidez na cadeia, no Brasil e na Alemanha de Hitler, dando à luz sua filha Anita
-amamentada pela mãe e depois tirada
dos seus braços e entregue a parentes-,
sobrando para si o destino medonho do
campo de trabalhos escravos, tortura,
maus-tratos, fome, doenças e, finalmente, a
morte numa câmara de gás, sem nunca
mais ter visto nem a filha nem o marido", o
impacto é diferente.
A história dessa mulher ganha agora uma
versão cinematográfica, a partir da excelente biografia escrita pelo jornalista Fernando
Morais. Nela, podemos verificar a existência desse paradoxo entre o individual e o
coletivo, o particular e o geral.
Olga Benário nasceu na Alemanha, em
1908. Saiu de casa com menos de 18 anos e
passou a estudar política e história e a militar na organização popular. Envolvida na
política comunista, Olga aprende a manejar armas, a pilotar avião, a saltar de pára-quedas. Transforma-se numa destacada
militante revolucionária profissional. Em
1934, é designada para uma missão especial: ser a responsável pela segurança pessoal de um líder político de fama já mundial, que voltaria a seu país de origem, o
Brasil, para fazer a revolução. Era Luís Carlos Prestes, que, na década de 20, comandara a famosa Coluna Prestes. Ao final da viagem, passaram a ser marido e mulher.
Em março de 1936, os dois são presos pelo governo brasileiro e separados um do
outro. Olga descobre estar grávida e começa uma campanha de colegas de cadeia para que ela não fosse deportada para a Alemanha nazista. Mas os esforços foram inúteis. Olga embarcou num navio que a entregou à polícia hitlerista. Foi para uma prisão, depois para um campo de trabalhos
forçados, depois para a morte.
Morreu com 34 anos incompletos, em fevereiro de 1942. Na última carta que enviou
ao marido, escreveu: "Lutei pelo justo, pelo
bom e pelo melhor para o mundo".
O livro de Fernando Morais é impressionantemente bom de ler. Não há como escapar ao sombrio encanto dessa história,
contada em ritmo de reportagem e isenta
de intenções sensacionalistas.
Aliás, é realmente um milagre que o autor
tenha escapado também à tentação de
transformar Olga e seus companheiros em
santos, considerando que a redação do livro aconteceu há 20 anos, quando o mundo comunista ainda existia, antes da queda
do Muro de Berlim.
Morais soube evitar as armadilhas ideológicas porque se fixou nos fatos e na humanidade dos personagens. Se fosse só um
romance de espionagem, seria já sensacional, tal a velocidade vertiginosa da trama,
com agentes secretos, delações, fugas, traições, heroísmos; mas é um relato realista,
de coisas ocorridas debaixo deste mesmo
céu, o que aumenta muito o interesse.
Luís Augusto Fischer é professor de literatura da
UFRGS e autor de "Literatura Brasileira - Modos de
Usar", Editora Abril
livro e filme
"Olga" - O LIVRO
autor: Fernando Moraes
editora: Companhia das Letras
preço: R$38
"Olga" - O FILME
direção: Jayme Monjardim
elenco: Camila Morgado (Olga), Caco Ciocler (Luiz Carlos Prestes), Fernanda Montenegro (Leocádia), Osmar Prado (getúlio Vargas)
estréia: dia 20 de agosto
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