São Paulo, segunda-feira, 03 de agosto de 2009

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LIVRO

Saído da lama

Conheça Nic Sheff, 26, que se afundou nas drogas, conseguiu voltar e tornar-se um best-seller

TARSO ARAUJO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele foi ao fundo do poço. E voltou para contar. Nic Sheff, 26, é o autor e o protagonista de "Cristal na Veia" (Agir, 347 págs., R$ 40). Sua história é a de um viciado em drogas, com todas as nuances e detalhes. A rotina e as sensações de dois momentos opostos da vida de um dependente químico: o vício e a abstinência. No começo do livro, ele abusa. Injeta ao mesmo tempo "cristal" (nome da metanfetamina nos EUA), que o deixa "ligado", e heroína, para acalmar. Depois, consegue ficar limpo e voltar a uma vida normal -na medida do possível, depois de ter rompido todos os laços familiares e sociais. O texto, em primeira pessoa e no tempo presente, cria suspense e tensão constantes. No começo, temos medo de que nosso "herói" vá morrer a qualquer momento. A adrenalina não nos deixa em paz. Depois, com ele sóbrio, sentimos a cada página o medo de uma recaída. O que acaba acontecendo. Parece um filme. O livro chega ao Brasil depois do sucesso de crítica e de público nos EUA -passou mais de 50 semanas na prestigiosa lista de mais vendidos do jornal "The New York Times". Por e-mail, o americano de São Francisco falou com o Folhateen sobre a motivação de escrever o livro, sua triste experiência com as drogas e as lições que tirou disso tudo.

 

FOLHA - Você foi ao fundo do poço e voltou para contar. Valeu a pena?
NIC SHEFF - Bem, o fundo do poço sempre pode ser pior, sabe? Para mim, o pior não foi morar na rua, ir parar no hospital, me prostituir e ser espancado. Foi destruir toda relação que tinha com todos que me amavam. Aterrorizei meus pais, roubei meus irmãos pequenos, namoradas e amigos. Isso acaba comigo até hoje. Valeu a pena? Talvez esse inferno me faça ver as coisas boas que vivo hoje com intensa paixão. Mas, ao mesmo tempo, estou sempre com medo de recair e de perder tudo de novo. É duro se sentir fora de controle.

FOLHA - Por que escreveu o livro?
NIC - Porque escrever sempre foi para mim uma maneira de entender o que acontecia comigo. Mas também um jeito de me proteger. Se faço de mim um personagem, a dor e o medo deixam de parecer tão reais e ameaçadores. Faço isso desde criancinha. Foi um processo purgatório.

FOLHA - Acha que sua experiência pode ser compartilhada por pessoas viciadas em outras drogas?
NIC - Todos os vícios são iguais. É tudo a mesma coisa: fugir de sentimentos de dor, de vergonha e de ansiedade. Era meu modo de sobreviver. Não se tratava de ficar doidão. Era para me sentir normal.

FOLHA - O que você diria para jovens que estão em seus primeiros drinques, tragos e pílulas?
NIC - Quando comecei a usar drogas senti algo como "uau, isso é o que estava faltando a minha vida toda". Elas me completaram. Então, em vez de aprender a funcionar por conta própria e trabalhar meus problemas, usei as drogas como um atalho. Mas, uma hora, ou as drogas me matavam ou eu ficava sóbrio.
Só que, sóbrio, com 26 anos, sem saber lidar com a vida sem drogas, sou muito patético. Sou como um garoto de 12 anos num corpo de 26. Deprimente.
Gostaria de ter buscado ajuda para ser completo sem drogas quando ainda era novo e achava que só me sentia normal com elas. Como teria sido bom ter entendido isso na adolescência. Não ser essa zona quando deveria ser um adulto.


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