São Paulo, segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

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Livros

Futuro junkie

O escritor de ficção científica Philip K. Dick descreve o inferno das drogas

LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes de ser um livro sobre junkies dependentes de uma droga mortal, "O Homem Duplo" é uma obra política, que mostra como poderão (ou, quem sabe, já podem) funcionar organizações de traficantes e de produtores de entorpecentes e as relações deles com a polícia e o governo.
Mas é sobretudo uma obra autobiográfica, sobre como "brincar" com drogas pode levar a perdas irreversíveis. Foi o que aconteceu com pessoas próximas do autor, o americano Philip K. Dick, que "queriam continuar a se divertir para sempre e foram castigadas por isso", como conta em nota final.
Dick é um dos principais mestres da ficção científica, autor de dezenas de contos e de livros como "Do Androids Dream of Electric Sheep?" (em que foi baseado o filme "Blade Runner - O Caçador de Andróides") e "Minority Report" (adaptado para o cinema por Steven Spielberg). Morreu em 1982, aos 53 anos, por derrame cerebral.
Quando publicou "O Homem Duplo", em 1977, Dick já havia passado pelo pior: enquanto se afundava nos barbitúricos, teve alucinações e entrou em paranóia, sentindo-se até perseguido por espiões da KGB.
Dick chegou a acreditar que tinha um vida dupla, que era dois homens ao mesmo tempo, assim como acontece com o protagonista do livro.
O ano é 1994. Bob Arctor é um agente de narcóticos disfarçado, Fred, que se infiltra entre dependentes de uma droga chamada Slow Death (morte lenta). Conhecida por substância D, quem a consome vai morrer por causa dela. Mas a pior morte acontece antes, no cérebro, e leva os usuários à loucura.
Bob divide sua casa com dois amigos doidões, o suspeito Jim Barris e o avoado Ernie Luckman. Para parecer um verdadeiro usuário, ele experimenta a droga e acaba dependente.
Quando Fred é designado para espionar a si próprio, surta e vive a angústia de ter sua personalidade dividida.
Como disfarce, o agente veste um "traje misturador", feito de um material programado para misturar milhões de imagens de pessoas diferentes sobre quem o usa e, assim, tornar o policial irreconhecível. Por meio de "holo-scanners" (tipo de câmera que capta imagens holográficas) colocados na casa de Bob, Fred grava seus amigos, a estranha namorada, Donna, e, obviamente, a si próprio, só que sem o traje.
Entre a preocupação com a traição de seus amigos e o consumo excessivo de D, ele entra em uma viagem sem retorno. A mistura dessa droga com a situação de vida dupla leva Fred/Bob à loucura total: os dois hemisférios de seu cérebro passam a competir entre si.
Por ter vivido e visto algumas dessas situações, Dick não parece se orgulhar da história. Ele escreveu, ao final do livro: "Eu mesmo não sou um personagem deste romance, sou o romance", e o dedica a amigos que morreram, que ficaram psicóticos e que tiveram sérios danos cerebrais. Deixa nesta obra seu arrependimento.

O HOMEM DUPLO (1977)
Philip K. Dick
Rocco


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