São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

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COMPORTAMENTO

Eu só quero é ser feliz, plantar tranquilamente na fazenda onde eu nasci

Com trabalho e apego às raízes, jovens que vivem na zona rural tentam melhorar a vida no campo

Fotos Fernando Donasci/Folha Imagem
Janiele, 20, de Glória do Goitá, mostra couve de sua horta orgânica

TARSO ARAUJO
ENVIADO A GLÓRIA DO GOITÁ (PE)

"Gosto de lidar com o gado. Sou gaúcho, né? Então pretendo ficar no campo", diz João Ricardo Nunes, 17, de Arroio do Tigre (RS). "Tenho um irmão fazendo veterinária e outro, administração. Os dois vão voltar e cuidar da propriedade. Aí eu saio para estudar. Mas volto", diz Rosiele de Souza, 17, de Orizona (GO).
A reportagem do Folhateen conheceu os dois na 3ª Jornada Nacional do Jovem Rural, encontro de 600 jovens das 27 unidades da Federação.
O mote da reunião, em Glória do Goitá (PE), entre 22 e 25 de setembro, era trocar ideias para melhorar a vida no campo e, assim, evitar o êxodo rural.
Disposição para isso eles têm, mesmo que as estatísticas da vida agrária sejam pouco animadoras. Um exemplo: adolescentes que vivem no campo têm chances quase quatro vezes maiores de serem analfabetos do que os das zonas urbanas (veja ao lado), segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
"Para o jovem ficar, ele precisa ter oportunidade de estudar e se sustentar", diz Raniele Badiani, 19, de Soretama (ES).

Estudar para mudar
A maioria dos participantes do encontro estudava em escolas adeptas da chamada "pedagogia da alternância".
Nelas, os alunos passam uma semana na escola e três em casa, aplicando nas lavouras e criações o conteúdo das aulas. Aprende-se, por exemplo, a usar caldo de mandioca, em vez de agrotóxico, como fungicida.
"Minha perspectiva de vida era procurar emprego em outra cidade. Agora nem penso mais nisso", diz Erinaldo Ferreira, 18, de Ibimirim (PE).
Desde que começou a ter aulas no Serta (Serviço de Tecnologias Alternativas), ele começou a cultivar uma horta orgânica e conquistou a autossuficiência em coentro, tempero muito usado em sua região. "Forneço para a minha família, o bar da minha tia e os vizinhos. Economizo de R$ 25 a R$ 30 em coentro por mês."
Anos atrás, o pai de Janiele Pascoal, 20, de Glória do Goitá, só plantava milho e feijão. Até que ela e os irmãos entraram em uma escola agrícola e o ajudaram a diversificar a produção, a torná-la orgânica e a vender os produtos em feiras de Recife e Olinda.
"Tiramos R$ 500 por feira. Antes não tínhamos metade da renda de hoje", diz Janiele.
Além de multiplicar o rendimento, os aprendizes multiplicam conhecimento. Erinaldo reúne vizinhos de lavoura e explica técnicas de cultivo usando canções de hip hop, gênero que conheceu pela internet -que ele acessa em uma LAN house.
Pois é. Como a galera da cidade, a dos sítios não quer saber só de trabalho e escola.

Diversão e arte
Algumas das diversões do jovem urbano são difíceis de conseguir no campo. "Se quero ver um filme, alugo um DVD, porque o cinema mais perto fica a 98 km", diz Estefânio Ricardo, 22, de Segredo (RS).
Em casa, não há internet, mas não lhe falta diversão. "Sempre tem baile gaúcho e rodeio", diz, reclamando, porém, que está difícil arrumar namorada. "Elas vão para a cidade, onde tem computador, Orkut."
Nem todas pensam assim, Estefânio. "Tem muita festa aqui, como a da farinha e a do jerico, com corrida de burro. E sempre tem forró pra dançar agarradinho", diz Janiele.
Esse clima foi reproduzido na Jornada Cultural, evento paralelo com danças e músicas típicas, que selou o intercâmbio de culturas. "É incrível conhecer gente do país inteiro, novos costumes, gírias", diz Paulo Schumacher, 18, de Santa Maria de Jetibá (ES).
Apesar de a maioria das comitivas estar proibida de fumar, beber e namorar, seus integrantes não pareciam muito preocupados. "Escondido pode. E proibido é mais gostoso", dizia Letícia Binow, 18, sem saber que, àquela altura, alguns casais já namoravam no bananal do hotel onde rolava a festa.


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