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LIVROS
Para o escritor Ferréz, que acaba de lançar seu primeiro livro infanto-juvenil, melhorar de vida é uma questão de auto-estima e depende principalmente de cada um
Com as próprias mãos
Daniel Guimarães - 27.dez.1999/Folha Imagem
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O escritor Ferréz, 29, fazendo o símbolo da paz no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, onde mora; a periferia paulistana é tema constante da obra do autor |
DA REPORTAGEM LOCAL
Manhã é uma linda garota negra,
com traços de princesa africana,
que mora na periferia de uma cidade grande e não tem uma vida lá muito
fácil. Mas, depois de ganhar um vestido
verde e de fazer tranças no cabelo, descobre
como as coisas podem ser diferentes -e a
melhora na sua auto-estima contamina toda a comunidade, que muda junto com ela.
Essa é a história de "Amanhecer Esmeralda" (ed. Objetiva), o primeiro livro infanto-juvenil do escritor Ferréz, 29. Ele vai lançar
em breve a edição de cinco anos de aniversário de "Capão Pecado", com novo prefácio, em que conta o que mudou na sua vida
nesse tempo, e também está preparando
uma autobiografia. Leia trechos da entrevista que o escritor deu ao Folhateen.
(ALESSANDRA KORMANN)
Folha - Existe uma Manhã de verdade?
Ferréz - Existem várias. A Jessica, minha
afilhada que foi prometida para mim desde
a barriga, e muitas meninas que sentam
perto de mim durante minhas palestras.
Muitos jovens me dizem que um livro meu
mudou a vida deles, então pensei em fazer
uma história para crianças que realmente
mudasse a vida delas.
Folha - Você acredita que a auto-estima
pode mudar a vida das pessoas? O problema da miséria não é mais amplo?
Ferréz - Eu mesmo mudei a minha vida
por causa de um show de rap. Quando eu
abri um livro pela primeira vez, tive outra
noção das coisas. A gente vai mudando a
nossa vida com pequenas iniciativas, às vezes até das outras pessoas. Eu tinha 19 anos
quando fui ao meu primeiro show, dos Racionais, lá no Capão Redondo [zona sul de
São Paulo]. O Mano Brown dizia no palco:
"As pessoas não ouvem a gente, mas se vocês gritarem bem alto todo mundo vai ouvir". Quando eu vi isso, pensei que queria
fazer parte disso, dessa mudança.
Folha - E que livro mudou sua vida?
Ferréz - Foi "Madame Bovary", de Flaubert. Eu tinha uns 15, 16 anos, já lia muito
gibi, literatura de cordel. O livro caiu na minha mão de uma forma bem curiosa. Um
amigo meu mandou a mãe escolher entre
ele e o padrasto. Ela escolheu o padrasto e o
abandonou. No final de semana, a gente ia
levar comida para ele, que morava sozinho
em um barraco. Uma das coisas que a mãe
dele deixou foi uma caixa de livros. Depois
disso, descobri Paulo Lins, João Antônio,
Lima Barreto, Plínio Marcos. Tomei a pílula do "Matrix" e nunca mais fui o mesmo.
Folha - Mas pensar em uma questão de
auto-estima não tira a responsabilidade
dos governos de dar condições de todos
terem uma vida digna?
Ferréz - Mas depende de cada um cobrar
o governo. A gente elege o governo, por que
não cobra? O povo vota, mas não fiscaliza,
porque é cerceado para não fiscalizar. Eu
acho que a mudança é individual e coletiva.
Não adianta só reclamar, tem que cobrar.
Todo mundo fica falando: "Por que o governo não faz isso"? Deveria pensar: "O que
a gente vai fazer junto com o governo?".
Folha - Em que pé está a sua autobiografia? O que deve entrar nela?
Ferréz - Estou escolhendo os materiais,
mas não sei ainda se vou escrever primeiro
a autobiografia ou outro romance. Numa
autobiografia, tem coisas que as pessoas
nem imaginam que a gente faz, boas e
ruins. Vou falar sobre o fato de os meus
amigos não estarem mais aqui comigo,
contar um pouco da trajetória deles. Éramos uma turma de 15, hoje se tiver três é muito. Eu me pergunto por que ainda estou
vivo e eles não estão mais aqui. Eu fui resgatado grande, mas muitos podem ser resgatados pequenos pela literatura, pela esperança e pela auto-estima.
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