São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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Gordelícia

ÀS VÉSPERAS DA SPFW, EX-ANORÉXICA CONTA QUE CONQUISTOU O SUCESSO QUANDO ASSUMIU SUAS CURVAS

François Guillot - 4.out.2005/France Presse
Crystal, em desfile de Jean-Paul Gaultier em Paris

FERNANDA MENA

EDITORA INTERINA DO FOLHATEEN

"Não posso usar essa menina. Ela é enooooorme!", gritou um fotógrafo de moda na cara da modelo Crystal Renn, 23, antes do ensaio.
À época, aos 17 anos, ela vestia manequim 36 e havia sucumbido à anorexia para cumprir as exigências extremas do mercado fashion.
"O escapismo e o apelo do glamour e da fama me fizeram emagrecer 32 quilos para ser modelo", escreveu ela no livro "Hungry" (Simon & Schuster), que deve chegar ao Brasil no início de 2011.
O título -que quer dizer "faminta"- retrata a saga de uma adolescente que começou a controlar o apetite aos 14 anos na tentativa de moldar o corpo cheio de curvas ao padrão mulher-cabide, que impera nas passarelas.
Você acha que já viu esse filme? Então espere até o final da história. É diferente.
Na fase mais aguda da doença, Crystal pesava apenas 43 quilos, mesmo com 1,75 metro de altura.
Enquanto viajava o mundo clicando editoriais de moda, ela perdia cabelo e não conseguia se concentrar. Tinha hematomas pelo corpo e sentia palpitações no coração. Fazia oito horas de exercícios por dia, tomava remédios para emagrecer e mantinha uma dieta à base de salada e chicletes sem açúcar.
"Eu entrava em pânico quando não conseguia agarrar os ossos do meu quadril como se fossem a asa de uma xícara de chá", disse ela, em entrevista ao Folhateen.
"Estava me matando de tanto passar fome, e minha agência ainda não estava satisfeita comigo", lembra.
Crystal desmaiava na rua e começou a achar que sua vida, de fato, estava em risco.
"Pode parecer loucura, ironia ou simplesmente justiça: quando voltei a comer, minha carreira de modelo deslanchou", conta ela.

CURVAS
Depois de assumir sua silhueta real, Crystal se tornou a modelo de tamanho maior ("plus size") mais bem paga dos Estados Unidos. É uma espécie de Gisele Bundchen das gordinhas.
Nos últimos anos, ela foi destaque das cinco edições internacionais da revista "Vogue". Fez campanha para a marca Dolce & Gabbana e ainda desfilou para o estilista Jean Paul Gaultier.
Tudo isso sem nenhum fotógrafo reclamar de nada.
"Descobri uma nova beleza. Sou a prova de que a vida não começa na magreza."
Como ela, muitas garotas se tornam anoréxicas na busca de um padrão de beleza questionável. Como ela, tantas outras assumem os quilos a mais, mesmo sem encontrar espelho nas vitrines da moda.
Desde que o culto à magreza radical foi posto em xeque, as "plus size" entraram em evidência.
"Existe uma demanda crescente por essas modelos nos EUA", explica Gary Dakin, da divisão "plus size" da Ford Models de Nova York, que comemora dez anos.
Para ele, a indústria fashion é cíclica, mas a ascensão de modelos "plus" na moda pode ser resumida em uma palavra: aceitação. "O que as marcas querem é vender, e o poder de compra das meninas e mulheres com manequim acima do 38 é muito expressivo", apontou.
É uma lei de mercado: se quem compra roupas é você, elas devem servir e valorizar o seu corpo, e não o contrário, certo?
Esse pé na realidade dá sinais de que pode pisar em solo brasileiro. Há um mês, a Ford Models Brasil criou um departamento "plus".
"Tenho muitas meninas que saíram da adolescência e estão ganhando peso. Se insistisse que elas emagrecessem, poderia desencadear uma doença. Como elas são lindas, resolvi investir neste segmento", explica a diretora Denise Céspedes.
"Sei que é um desafio e que as pessoas do mercado têm receio. Mas, se nenhuma agência fizer isso, nunca nada vai mudar."
Nenhuma das meninas do novo departamento da agência foi escalada para a temporada da São Paulo Fashion Week que começa amanhã.
Na edição passada do evento, em janeiro, modelos desfilaram com índice de massa corporal, calculado pela Folha, igual ao de crianças de nove anos, classificado como "magreza severa".

VAI PEGAR?
"Não acho que essas modelos sejam uma tendência. Os estilistas não gostam", disse Mauro Fisberg, coordenador do Projeto Saúde Modelo e do setor de medicina do adolescente da Universidade Federal de São Paulo.
Segundo ele, com a morte da modelo Ana Carolina Reston por anorexia, em 2006, houve pressão para um controle da saúde das modelos. "Mas foi tudo blá-blá-blá."
De lá para cá, a percepção dos especialistas em distúrbios alimentares, como ele, é que aumentou a divulgação de informações pró-anorexia, em especial no Facebook e no Twitter. "Elas acham que é um estilo de vida."
Para Crystal, o problema é geral. "Mesmo quem não é nem foi anoréxica sofre porque não gosta do seu corpo ou almeja um padrão impossível. Isso detona a autoestima", avalia.
"Resolvi contar minha história em um livro para inspirar essas meninas a mudar e para influenciar uma indústria que precisa de todos os tamanhos como norma."

Há gordinhas da vida real que vivem bem com seus corpos e valorizam o que têm de melhor na hora de se vestir

Mariana Lima, 19
Mariana diz ser feliz com sua aparência. "Todo o mundo pode ser bonito sem ser magro. As agências de modelos 'plus size' têm meninas lindas." Com 1,53 m e 67 kg, seus 70 cm de cintura e 110 cm de quadril só são problema na hora de comprar roupas. "Minha batata da perna é grossa, mas tem gordinha com a batata da perna fina", diz, aos risos. "Meu manequim é 44, mas calça tem que ser 46, e preciso fazer a barra em tudo."

Gabriella Klajner, 19
Com 1,67 m de altura, a estudante de publicidade prefere não revelar seu peso. "Percebo pelas roupas se emagreci ou se engordei", despista. Gabriella diz que nunca foi magra, mas que agora está "um pouco mais gordinha". Por isso, a vontade de emagrecer existe, mas de ficar "magrela", não. "Acho feio costela aparecendo", justifica. Encontrar a roupa ideal nunca foi problema para ela. O segredo, diz ela, é valorizar os pontos fortes do corpo.

Mariana de Campos, 15
Mariana de Campos, 15, sempre foi gordinha, mas não é encanada com o peso. "Não tem jeito, minha família inteira é cheinha", diz. "Já fiz dietas malucas e muito exercício para emagrecer, mas sempre engordei novamente." O mais difícil na hora de se vestir, diz, é comprar calças. "É tudo para 'Barbies'", brinca. "Minha loja de roupas terá todos os tamanhos", diz, sobre seu sonho de ser estilista.


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