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Gordelícia
ÀS VÉSPERAS DA SPFW, EX-ANORÉXICA CONTA QUE CONQUISTOU O SUCESSO QUANDO ASSUMIU SUAS CURVAS
François Guillot - 4.out.2005/France Presse
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Crystal, em desfile de Jean-Paul Gaultier em Paris
FERNANDA MENA
EDITORA INTERINA DO FOLHATEEN
"Não posso usar essa menina. Ela é enooooorme!",
gritou um fotógrafo de moda
na cara da modelo Crystal
Renn, 23, antes do ensaio.
À época, aos 17 anos, ela
vestia manequim 36 e havia
sucumbido à anorexia para
cumprir as exigências extremas do mercado fashion.
"O escapismo e o apelo do
glamour e da fama me fizeram emagrecer 32 quilos para
ser modelo", escreveu ela no
livro "Hungry" (Simon &
Schuster), que deve chegar
ao Brasil no início de 2011.
O título -que quer dizer
"faminta"- retrata a saga de
uma adolescente que começou a controlar o apetite aos
14 anos na tentativa de moldar o corpo cheio de curvas
ao padrão mulher-cabide,
que impera nas passarelas.
Você acha que já viu esse
filme? Então espere até o final da história. É diferente.
Na fase mais aguda da
doença, Crystal pesava apenas 43 quilos, mesmo com
1,75 metro de altura.
Enquanto viajava o mundo clicando editoriais de moda, ela perdia cabelo e não
conseguia se concentrar. Tinha hematomas pelo corpo e
sentia palpitações no coração. Fazia oito horas de exercícios por dia, tomava remédios para emagrecer e mantinha uma dieta à base de salada e chicletes sem açúcar.
"Eu entrava em pânico
quando não conseguia agarrar os ossos do meu quadril
como se fossem a asa de uma
xícara de chá", disse ela, em
entrevista ao Folhateen.
"Estava me matando de
tanto passar fome, e minha
agência ainda não estava satisfeita comigo", lembra.
Crystal desmaiava na rua e
começou a achar que sua vida, de fato, estava em risco.
"Pode parecer loucura,
ironia ou simplesmente justiça: quando voltei a comer,
minha carreira de modelo
deslanchou", conta ela.
CURVAS
Depois de assumir sua silhueta real, Crystal se tornou
a modelo de tamanho maior
("plus size") mais bem paga
dos Estados Unidos. É uma
espécie de Gisele Bundchen
das gordinhas.
Nos últimos anos, ela foi
destaque das cinco edições
internacionais da revista
"Vogue". Fez campanha para a marca Dolce & Gabbana e ainda desfilou para o estilista Jean Paul Gaultier.
Tudo isso sem nenhum fotógrafo reclamar de nada.
"Descobri uma nova beleza. Sou a prova de que a vida
não começa na magreza."
Como ela, muitas garotas
se tornam anoréxicas na busca de um padrão de beleza
questionável. Como ela, tantas outras assumem os quilos
a mais, mesmo sem encontrar espelho nas vitrines da
moda.
Desde que o culto à magreza radical foi posto em xeque, as "plus size" entraram
em evidência.
"Existe uma demanda
crescente por essas modelos
nos EUA", explica Gary Dakin, da divisão "plus size" da
Ford Models de Nova York,
que comemora dez anos.
Para ele, a indústria
fashion é cíclica, mas a ascensão de modelos "plus" na
moda pode ser resumida em
uma palavra: aceitação. "O
que as marcas querem é vender, e o poder de compra das
meninas e mulheres com manequim acima do 38 é muito
expressivo", apontou.
É uma lei de mercado: se
quem compra roupas é você,
elas devem servir e valorizar
o seu corpo, e não o contrário, certo?
Esse pé na realidade dá sinais de que pode pisar em solo brasileiro. Há um mês, a
Ford Models Brasil criou um
departamento "plus".
"Tenho muitas meninas
que saíram da adolescência e
estão ganhando peso. Se insistisse que elas emagrecessem, poderia desencadear
uma doença. Como elas são
lindas, resolvi investir neste
segmento", explica a diretora Denise Céspedes.
"Sei que é um desafio e
que as pessoas do mercado
têm receio. Mas, se nenhuma
agência fizer isso, nunca nada vai mudar."
Nenhuma das meninas do
novo departamento da agência foi escalada para a temporada da São Paulo Fashion
Week que começa amanhã.
Na edição passada do
evento, em janeiro, modelos
desfilaram com índice de
massa corporal, calculado
pela Folha, igual ao de crianças de nove anos, classificado como "magreza severa".
VAI PEGAR?
"Não acho que essas modelos sejam uma tendência.
Os estilistas não gostam",
disse Mauro Fisberg, coordenador do Projeto Saúde Modelo e do setor de medicina
do adolescente da Universidade Federal de São Paulo.
Segundo ele, com a morte
da modelo Ana Carolina Reston por anorexia, em 2006,
houve pressão para um controle da saúde das modelos.
"Mas foi tudo blá-blá-blá."
De lá para cá, a percepção
dos especialistas em distúrbios alimentares, como ele, é
que aumentou a divulgação
de informações pró-anorexia, em especial no Facebook
e no Twitter. "Elas acham
que é um estilo de vida."
Para Crystal, o problema é
geral. "Mesmo quem não é
nem foi anoréxica sofre porque não gosta do seu corpo
ou almeja um padrão impossível. Isso detona a autoestima", avalia.
"Resolvi contar minha história em um livro para inspirar essas meninas a mudar e
para influenciar uma indústria que precisa de todos os
tamanhos como norma."
Há gordinhas da vida real que vivem bem com seus corpos e valorizam o que têm de melhor na hora de se vestir
Mariana Lima, 19
Mariana diz ser feliz com sua aparência. "Todo o mundo pode ser bonito sem ser magro. As agências de modelos 'plus size' têm meninas lindas." Com 1,53 m e 67 kg, seus 70 cm de cintura e 110 cm de quadril só são problema na hora de comprar roupas. "Minha batata da perna é grossa, mas tem gordinha com a batata da perna fina", diz, aos risos. "Meu manequim é 44, mas calça tem que ser 46, e preciso fazer a barra em tudo."
Gabriella Klajner, 19
Com 1,67 m de altura, a estudante de publicidade prefere não revelar seu peso. "Percebo pelas roupas se emagreci ou se engordei", despista. Gabriella diz que nunca foi magra, mas que agora está "um pouco mais gordinha". Por isso, a vontade de emagrecer existe, mas de ficar "magrela", não. "Acho feio costela aparecendo", justifica. Encontrar a roupa ideal nunca foi problema para ela. O segredo, diz ela, é valorizar os pontos fortes do corpo.
Mariana de Campos, 15
Mariana de Campos, 15, sempre foi gordinha, mas não é encanada com o peso. "Não tem jeito, minha família inteira é cheinha", diz. "Já fiz dietas malucas e muito exercício para emagrecer, mas sempre engordei novamente." O mais difícil na hora de se vestir, diz, é comprar calças.
"É tudo para 'Barbies'", brinca. "Minha loja de roupas terá todos os tamanhos", diz, sobre seu sonho de ser estilista.
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