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São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2003

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ESCUTA AQUI

Coldplay derruba platéia com clichês de melodrama musical

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

É preciso muito cuidado para escrever sobre o show do Coldplay, na quarta-feira passada, em São Paulo. É preciso muito cuidado ao escrever sobre cultura pop.
O pop, filho caçula da indústria cultural, tem como objetivo último levar prazer ao público. É sob esse prisma que ele é julgado. Fez sucesso, beleza. Não fez, um abraço, melhor sorte da próxima vez.
Nesse aspecto, a apresentação do Coldplay foi um triunfo absoluto. Atraiu 6.000 pessoas, que pagaram um ingresso mínimo de inacreditáveis R$ 100, preço igual ao de um show nos EUA (onde, embora varie de Estado para Estado, o salário mínimo é cerca de US$ 1.300 -no Brasil, é US$ 80).
Mobilizados em mais uma noite gelada em São Paulo, os jovens brancos e perfumados sabiam as letras, cantavam tudo e aplaudiam qualquer movimento do vocalista Chris Martin. Apesar de Martin ter domínio de palco igual ao de uma samambaia, a multidão estava a seus pés. Sozinho ao piano. Sozinho ao violão. Falando português. Um semideus, um ídolo.
"Escuta Aqui" abandonou o show na hora em que começou a canção "Yellow" e acenderam-se luzes amarelas no palco. Com quatro decênios de vida, achei que tinha direito a algo um pouco menos óbvio. Arrastei minha mulher e saímos para jantar.
Mas, é justo que se diga, não havia mais ninguém indo embora. Nem mesmo em um trecho, que durou cerca de 20 minutos, em que a banda de Chris Martin conseguiu a proeza de tocar uma sequência de quatro músicas que não empolgaram um público que estava ali para ser empolgado por qualquer coisa. O povo ficou todo lá. Estava esperando "In My Place", que, eu soube depois, veio só ao final.
Como já escrevi várias vezes em "Escuta Aqui", o Coldplay imita o Radiohead. E também o U2 e o Echo and the Bunnymen. Mas principalmente o Radiohead da fase mais normal, do disco "The Bends".
Faz sentido, portanto, que se compare uma apresentação ao vivo do Coldplay com outra do Radiohead. "Escuta Aqui", que viu o Radiohead na Califórnia, há dois anos, garante: é o mesmo que comparar aquele seu colega de sala que é bom em matemática com Sir Isaac Newton (1642-1727), o pai da mecânica clássica.
No palco, a formidável complexidade das composições do Radiohead se resolve de modo surpreendentemente simples. O resultado é um todo consistente e orgânico. Mesmo o repertório dos álbuns difíceis, como "Kid A" ou "Amnesiac", torna-se, de repente, claro, num instante iluminado em que tudo faz sentido.
O Coldplay, no palco, esforça-se para tocar, do modo mais parecido possível com o disco, sua sucessão de clichês de melodrama musical. Em alguns casos, falha de modo grosseiro, como aconteceu em São Paulo com "One I Love", uma bonita cópia de Echo and the Bunnymen que foi arruinada ao vivo.
Depois do show, encontro amigos cuja opinião respeito, e todos, unanimemente, adoraram o concerto.
Eu não disse que é preciso cuidado ao escrever sobre cultura pop?


Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br



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