São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2008

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política

Ideais em ação

O engajamento político perde espaço entre jovens que acreditam que a forma mais eficaz de defender ideais é por meio do "faça você mesmo"

João Wainer/Folha Imagem
O grupo paulistano Bijari soltou uma galinha por duas calçadas de SP como forma de protesto

DANIEL SOLYSZKO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para muitos adolescentes insatisfeitos, a filiação partidária e outras formas mais tradicionais de protesto vêm perdendo o ânimo há tempos. Desde a explosão das ONGs e outras entidades sem vínculos políticos nos anos 1990, um grupo cada vez maior de jovens em todo mundo vem acreditando que a forma mais eficaz de protesto é feita através do "faça você mesmo".
Uma das maneiras mais comuns desse tipo de expressão é o coletivo, um grupo de pessoas interessadas em uma causa comum, que se reúne de maneira não-hierárquica para elaborar projetos relacionados a seus interesses. A idéia é não somente criticar o que há de errado na sociedade, mas apontar novas formas e soluções para os problemas.
Em São Paulo, um coletivo veterano desse tipo de atividade é o Bijari, que, desde 1996, cria manifestações artísticas que buscam criticar o mau uso do espaço urbano.
O coletivo surgiu pela união de estudantes universitários que estavam insatisfeitos com as manifestações artísticas relacionadas ao seu ramo. Uma das suas ações mais marcantes foi quando soltaram uma galinha bem no meio da rua, em 2001, primeiro no largo da Batata e depois em frente ao shopping Iguatemi, em São Paulo.
As reações foram radicalmente opostas: no largo, as pessoas interagiam, pegavam a galinha na mão e até se ofereceram para comprá-la, enquanto no shopping, em pouco tempo, seguranças vieram pedir para que retirassem o animal. A idéia por trás era comprovar que a calçada e o espaço público não eram tão públicos assim.
"Acho que o legal desse tipo de atividade que mistura arte e ativismo é que, mesmo que o artista não consiga mudar a realidade, ele cria uma série de possibilidades, maneiras diferentes de as pessoas verem o mundo. Não é só o objetivo final que importa, mas todo o processo", diz Rodrigo Araújo, que tinha pouco mais de 20 anos quando montou o grupo.
Outro coletivo, baseado em Recife, é o Media Sana, que desde 2002 costuma realizar projeções em shows e festas locais, sempre com a proposta de criticar clichês da mídia em suas apresentações. "Trazemos as pautas para o entretenimento, pois acreditamos que esse momento pode ser ativo e instrutivo", explica Gabriel Furtado, integrante do grupo.
Outro coletivo que vem chamando bastante atenção é o pessoal da Bicicletada, que se reúne uma vez por mês em São Paulo para um passeio noturno de bicicleta.
Seus integrantes costumam defender o direito de circular com o veículo por toda a cidade e propõem reduzir a quantidade de automóveis, reduzindo assim trânsito e poluição.
Alexandre Silva Pereni, 17, já pedalava há dois anos, até descobrir o grupo numa comunidade do Orkut e resolver participar pela primeira vez no último evento. "Quero ver como é, mas espero que seja bem legal e que eu volte aqui", conta.
Outra participante recente é Marcela Navarro Alday, 15, que começou a andar de bicicleta em agosto deste ano. "Hoje ando todo dia, mudou completamente a minha vida", diz.
A última Bicicletada também foi uma ocasião especial para um de seus integrantes, Luís Humberto Souza Faria, 23. Ele e o restante dos participantes se dirigiram a um bar onde estava sua namorada, e lá fez um pedido-surpresa de noivado à moça. "Minha noiva tem um certo ciúme da bicicleta, e deixá-la às sextas à noite para pedalar era motivo de discussões. Então quis mostrar para ela que não há motivo para ter ciúmes da Bicicletada e aproveitar para juntar minhas duas paixões, a bicicleta e ela", diz.
Luís conta também que tinha pouco interesse pelo lado ativista do grupo antes de participar e que o contato com os integrantes ajudou a mudar seu ponto de vista.

Protesto solo
Mas nem só nos coletivos essas atividades podem ser vistas. Por exemplo, o grafiteiro Alexandre Órion, 30, procura questionar a interação do espaço urbano e seus habitantes criando pinturas e cartazes.
"O que me interessa no espaço urbano é a aglutinação de pessoas, pensar a cidade como um espaço construído para vivermos em conjunto", explica.
Entre as obras de Órion está uma série de cartazes de "vende-se" e "aluga-se" colocados em lugares públicos e acompanhados de um número de telefone. Por conta da ação, ele recebeu diversas ligações inusitadas no número divulgado.
Outro de seus projetos famosos é a pintura de diversas caveiras em alguns túneis de São Paulo. "Eu costumo dizer que não sou um ativista. Esse elemento está presente no meu trabalho e eu não nego, mas minha motivação é menos política e mais artística. Só que minha consciência política é uma coisa que aflora no meu trabalho de maneira explícita. E eu gosto de ser bastante objetivo" diz.
Órion começou a grafitar aos 13 anos, influenciado pela cultura hip hop do qual era fã, ouvindo grupos como De La Soul e A Tribe Called Quest.
Para os jovens que desejam ter alguma participação em qualquer forma de ativismo, seja individual ou coletivo, Órion sintetiza bem o necessário: "O lance é, se você tem vontade, vá lá e faça, sem se preocupar com o que os outros vão achar. É durante a adolescência que você tem que experimentar".


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