São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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O escroque "do bem"

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

Se eu fosse documentarista, faria um documentário sobre Michael Moore, diretor de "Farenheit 9/11" e "Tiros em Columbine". Meu documentário, assim como os de Moore, defenderia uma tese. No caso, a de que Michael Moore é um escroque, ainda que "do bem".
Meu filme abordaria a relação de Moore com seus empregados. Daria closes nos contracheques de seus funcionários e compararia os salários com a média do mercado americano. Também acompanharia a rotina de trabalho do pessoal. Mostraria se são bem tratados, se almoçam, se têm folgas. Eu perguntaria a Michael Moore, na lata, como ele faz em seus filmes, se ele permite que seus funcionários se sindicalizem.
Meu documentário daria especial atenção aos seus métodos de trabalho. Deixaria as câmeras grudadas em Moore durante a edição de um filme dele. Para explicar, por exemplo, como Moore trata áudio e vídeo. Será que, fiel à realidade, ele só usa áudio que corresponde à imagem gravada? Ou, às vezes, mistura áudio e vídeo de situações diferentes, só pelo efeito dramático?
Filmagens de planos e contraplanos também seriam dissecadas em meu documentário. Quando Moore saísse para uma entrevista, eu e meu cinegrafista iríamos junto. Sabe para quê? Para ver se ele realmente faz aquelas perguntas cara a cara com os entrevistados, ou se primeiro Moore grava a entrevista e, depois que o entrevistado vai embora, filma os chamados contraplanos, em que ele, Moore, agora sozinho, formula as questões como bem entende (e depois a edição finge que se trata de uma única situação).
Meu documentário traria uma longa entrevista com Moore. Eu perguntaria que tipo de formação política ele tem. Que livros leu, qual pensador mais o influenciou. Imagino que Moore tenha posições políticas muito mais profundas do que o presidente Bush, que ele adora mostrar como um completo imbecil.
Por fim, eu faria uma investigação sobre um recente episódio envolvendo Michael Moore e o guitarrista Pete Towshend, do The Who. Segundo o jornal escocês "The Scotsman", Moore anda espalhando que Towshend é a favor da invasão do Iraque, só porque o músico se negou a ceder a canção "Won't Get Fooled Again" (nunca mais vão me enganar) para a trilha de "Farenheit 9/11".
No "Scotsman", Towshend chama Moore de "provocador" e fulmina: "Parece-me que esse aspecto de seu caráter não o faz diferente daquele homem poderoso e teimoso que está no centro de seu novo documentário".
Ou seja: Towshend compara Michael Moore a George Bush. Como eu faria no meu documentário.


Álvaro Pereira Júnior, 41, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br


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