São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

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Modo de vida americano é truculência pura

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Brasileiro se acha duas coisas:
1) importante; 2) vítima.
É bom ter isso em mente para entender a guerra diplomática das impressões digitais, essa história, que começou na semana passada, de os EUA exigirem digitais de turistas brasileiros e vice-versa.
Brasileiro pode se achar importante, mas, infelizmente, não é. Não adianta pensar que os países desenvolvidos têm uma birra especial porque nosso chope é mais gelado, as mulheres são mais lindas, as praias têm mais coqueiros e nosso futebol é pentacampeão.
Para o cidadão médio do Primeiro Mundo, o Brasil simplesmente não existe. Ninguém sabe onde fica, só conhece mesmo a velha camisa canarinho, se tanto. Difícil imaginar, portanto, que os países ricos encanassem em perseguir justamente um país que eles nem sabem direito o que é.
Quanto a ser vítima, vale o mesmo. O Brasil não é mais nem menos maltratado, pelo Primeiro Mundo, do que outros países do mesmo naipe de nossa pátria verde-amarela. Somos só mais um fim de mundo.
Não tenho capacidade nem interesse de discutir, aqui, a decisão americana de fichar turistas de certas nações. Mas, pelo que tenho lido a respeito, senti falta da seguinte informação: americano não tem atitudes secas, grosseiras e desprovidas de bom senso só com pobres visitantes do Terceiro Mundo. Eles se tratam assim entre eles também.
Falando especificamente de aeroportos, a segurança nos vôos internos é igualmente implacável. Desde que um maluco tentou embarcar com explosivos nos sapatos, a vigilância subiu a níveis apavorantes.
Na fila do detector de metais, por exemplo, ninguém espera que o segurança mande as pessoas tirar os sapatos. Todo mundo já fica descalço por iniciativa própria. Isso inclui velhinhas doentes, peruas em roupas de gala, homens de negócios de terno e gravata. Se alguém tiver um computador portátil, pior ainda -tem de ligar a máquina para provar que é mesmo um computador, não uma bomba disfarçada.
Sei lá por quê, quase sempre que vou aos EUA me escolhem para o chamado "secondary screening" ou "inspeção extra". Basicamente é o seguinte: depois de passar pelos detectores todos, você vai parar em um raio-X poderoso que examina a bagagem mala por mala. Depois, ainda tem de tirar os sapatos, passar por uns detectores "high-tech", pagar micos diversos -e tudo isso antes do check-in!
Pois bem: sempre que estou na salinha dessa inspeção extra, tento descobrir algum padrão entre as "vítimas". São todos latinos? Gente com sotaque? Viajantes solitários? Povo com cara de pobre? A resposta: não há regra. Sobra para todo mundo. Uma vez, ao meu lado, uma velhinha surda não conseguia nem entender o que estava acontecendo. E era americana. Já vi famílias, também americanas, saindo em férias, desesperadas porque a inspeção extra demorava muito e já estava na hora do vôo.
Claro que tudo isso não serve de consolo, nem de justificativa. Mas pode ter certeza: os americanos não perseguem a gente, não. Para o bem ou para o mal, esse é só o jeito gringo de ser.


Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br



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