|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESCUTA AQUI
Modo de vida americano é truculência pura
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Brasileiro se acha duas coisas:
1) importante; 2) vítima.
É bom ter isso em mente para entender a
guerra diplomática das impressões digitais,
essa história, que começou na semana passada, de os EUA exigirem digitais de turistas
brasileiros e vice-versa.
Brasileiro pode se achar importante, mas,
infelizmente, não é. Não adianta pensar que
os países desenvolvidos têm uma birra especial porque nosso chope é mais gelado, as mulheres são mais lindas, as praias têm mais coqueiros e nosso futebol é pentacampeão.
Para o cidadão médio do Primeiro Mundo,
o Brasil simplesmente não existe. Ninguém
sabe onde fica, só conhece mesmo a velha camisa canarinho, se tanto. Difícil imaginar,
portanto, que os países ricos encanassem em
perseguir justamente um país que eles nem
sabem direito o que é.
Quanto a ser vítima, vale o mesmo. O Brasil
não é mais nem menos maltratado, pelo Primeiro Mundo, do que outros países do mesmo naipe de nossa pátria verde-amarela. Somos só mais um fim de mundo.
Não tenho capacidade nem interesse de discutir, aqui, a decisão americana de fichar turistas de certas nações. Mas, pelo que tenho lido a respeito, senti falta da seguinte informação: americano não tem atitudes secas, grosseiras e desprovidas de bom senso só com pobres visitantes do Terceiro Mundo. Eles se tratam assim entre eles também.
Falando especificamente de aeroportos, a
segurança nos vôos internos é igualmente implacável. Desde que um maluco tentou embarcar com explosivos nos sapatos, a vigilância subiu a níveis apavorantes.
Na fila do detector de metais, por exemplo,
ninguém espera que o segurança mande as
pessoas tirar os sapatos. Todo mundo já fica
descalço por iniciativa própria. Isso inclui velhinhas doentes, peruas em roupas de gala,
homens de negócios de terno e gravata. Se alguém tiver um computador portátil, pior ainda -tem de ligar a máquina para provar que
é mesmo um computador, não uma bomba
disfarçada.
Sei lá por quê, quase sempre que vou aos
EUA me escolhem para o chamado "secondary screening" ou "inspeção extra". Basicamente é o seguinte: depois de passar pelos detectores todos, você vai parar em um raio-X
poderoso que examina a bagagem mala por
mala. Depois, ainda tem de tirar os sapatos,
passar por uns detectores "high-tech", pagar
micos diversos -e tudo isso antes do check-in!
Pois bem: sempre que estou na salinha dessa inspeção extra, tento descobrir algum padrão entre as "vítimas". São todos latinos?
Gente com sotaque? Viajantes solitários? Povo com cara de pobre? A resposta: não há regra. Sobra para todo mundo. Uma vez, ao
meu lado, uma velhinha surda não conseguia
nem entender o que estava acontecendo. E era
americana. Já vi famílias, também americanas, saindo em férias, desesperadas porque a
inspeção extra demorava muito e já estava na
hora do vôo.
Claro que tudo isso não serve de consolo,
nem de justificativa. Mas pode ter certeza: os
americanos não
perseguem a gente,
não. Para o bem ou
para o mal, esse é só
o jeito gringo de
ser.
Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
Texto Anterior: Enquete: Leitores derrubam predomínio do pop teen Próximo Texto: Brasas Índice
|