LUÍS AUGUSTO FISCHER
COLUNISTA DA FOLHA

Se você tiver sorte, seu pai ou sua mãe podem ter em casa o livro de memórias de Edward Said, chamado "Fora do Lugar". Said foi um grande intelectual do século que acabou faz pouco. De família palestina, foi criado no Egito, mas estudou os últimos anos do colégio nos Estados Unidos, onde se estabeleceu, fez faculdade, se tornou professor, casou, viveu. Said nunca perdeu de vista a mistura esquisita imposta pelas circunstâncias de sua vida, transcorrida entre 1935 e 2001. Mais que isso: pensou profundamente sobre as identidades, tanto as de família quanto as de nação, e sobre o destino da vida humana no Oriente Médio.
O centro de seu livro é justamente o período de sua formação, até os 20 anos. Apesar de todas as singularidades, Said foi o que se poderia chamar de um menino normal. O detalhe é que ele cresceu entre duas civilizações (de um lado, a árabe, especificamente palestina; de outro, a norte-americana) e entre duas eras históricas (o fim do império inglês, encerrado quando ele era menino, na Segunda Guerra, e o começo da hegemonia do império norte-americano, este que hoje em dia manda no mundo).