São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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COMPORTAMENTO

Eles não são homossexuais, mas usam lápis para os olhos, batom e esmalte para montar seu visual; influência vem de ícones da música

A face maquiada do rock

Sidinei Lopes/Folha Imagem
Ronaldo Ceron, 20, que é dono de um bar freqüentado por garotos maquiados


ANA PAULA DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em meio a piercings, tatuagens, cintos de rebite e camisetas de banda, lápis para os olhos, esmalte e até batom. É cada vez mais comum encontrar meninos que se pintam para ir a lugares até então tidos essencialmente como "machistas" -como shows de punk e rock.
"O jovem sempre está à procura de novos estilos para moldar a personalidade. Foi por isso que passei a me pintar. Não sou gay, mas acredito que fica bonito. E até atrai mulheres, pelo menos as que são do rock", diz o estudante Bruno Andrade Sá Rocha, 20, que faz um borrão sob os olhos com a ajuda da irmã. "Meus pais entendem, mas não simpatizam."
Uma vez, Rocha esqueceu de remover a maquiagem. "Uma amiga me disse que minhas olheiras estavam terríveis", brinca.
A maquiagem se limita às baladas e shows de rock. "Durante o dia, uso roupa social. O problema é conseguir tirar toda a maquiagem e o esmalte, para não ir trabalhar com resquícios", confessa Marcos Paulo Villa, 25, assistente fiscal.
Achou moderninho? Usar maquiagem não é tão novo assim. Na verdade, o punk, na sua origem, abusava de lápis de olho, esmalte e até de vestidos femininos.
De certa forma, trata-se de um "revival" da estética exagerada do glam rock. Bandas nacionais, como Daniel Belleza e os Corações em Fúria, Cansei de Ser Sexy e Vera Fisher, entre outras, comprovam que os meninos devem continuar se pintando.
As influências são muitas. Vão de ícones da música (leia ao lado) a personagens como Alex, do filme "Laranja Mecânica" (Stanley Kubrick, 1971). "Sempre me inspirei nele antes de me pintar. Agora, quero até comprar cílios postiços para ficar mais parecido ainda", diz o estudante de jornalismo Bruno Rodrigues Marcondes Machado, 19. Ele pinta as unhas de preto desde os 15 -técnica que aprendeu com a mãe, apesar de ainda ficar borrado. "Tremo muito, não tenho muita coordenação."
Há um ano, decidiu que o alargador nas orelhas e o piercing no rosto não chocavam suficientemente. "Resolvi pintar os olhos. Peguei um lápis emprestado de uma amiga, que me ajudou a passar." Só que, por ora, Machado teve de dar um tempo. "Peguei tersol."
A maneira mais comum de começar a pintar os olhos é usar maquiagem emprestada de amigas. Às vezes, pedir ajuda a elas pode ser pretexto para rolar um clima. "Mulher adora essas coisas e é uma situação bem íntima. Já rolou até beijo", conta o estudante Maurício Arturo, 18.
Entretanto, como maquiagem ainda é um assunto essencialmente feminino, o preconceito existe. "Já me perguntaram se eu era gay. Sinto que as pessoas me olham com esse julgamento, mas não ligo. Eu e minha namorada sabemos", diz o vocalista da banda Lazy Sundays, Tiago Archela, 21, cuja namorada quase o matou de vergonha uma vez, dentro de uma loja de maquiagem, quando perguntou se ele não ia querer comprar aquele lápis que ele gostava para pintar o olho. "Foi sem querer, mas as pessoas me olharam de um jeito esquisito."
E, se o punk dos anos 70 tinha pitadas de glitter, lápis nos olhos e experimentação sexual, esse "revival" glam também tem. "A questão não é ser ou não homossexual. Essa intimidade maior com os meninos acredito ser reflexo dessa tendência metrossexual, em que os homens se cuidam mais", diz Willian Cavagnolli, 20, que faz cursinho para artes plásticas.
Mas comentários são inevitáveis, ainda mais quando os garotos ficam parecidos com personagens como Boy George ou Robert Smith, do The Cure -ambos ícones dos anos 80. "É só escolher os lugares certos e não sentir tanto preconceito", conta Ronaldo Rinaldi Ceron, 20, que decidiu, há quase um ano, abrir o bar Atari.

Flogs
Ser um fotologger (criar um diário de fotos em www.fotolog.net) é indispensável para quem quer estar antenado na cena glam-rock-punk-moderna. Não basta só se mostrar na noite. É preciso dividir com o mundo esse visual. E há até quem registre o passo-a-passo da "montagem" do visual. "As pessoas esperam que o mundo todo comente suas fotos e suas poses. Quer ver alguém ficar chateado é quando ninguém escreve nenhum comentário sobre a foto do dia", diz Bruno Rodrigues.


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