São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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02 NEURÔNIO

Declaração universal pelo direito à tristeza

JÔ HALLACH
NINA LEMOS
RAQ AFFONSO

COLUNISTAS DA FOLHA

Todo ser humano tem direito à tristeza. Porque tem dias em que a nossa vida está horrível mesmo, seja por falta de amor, de amigos, de dinheiro ou até porque nossos hormônios estão nos dando uma surra. Ou quem sabe só porque viver dói. Fica garantido por lei o direito a ouvir músicas melancólicas, clássicos de Chet Baker, Joy Division, um samba do Argemiro do Patrocínio e até mesmo canções cafonas de cantoras com escova para fora. Fica garantido também o direito a chorar e a usar óculos escuros em dias nublados. E está proibido que as pessoas nos mandem parar de chorar. Elas devem nos dar colo. Nem que seja pelo telefone. Mas o direito ao choro nunca pode ser violado.
Temos o direito de ficar tristes porque estamos com o coração partido. Temos o direito de ficar tristes porque o mundo está meio perdido. E porque também ficamos meio perdidas no mundo perdido. Todo ser humano tem o direito de escrever cartas de amor desesperadas. E todo ser humano tem o direito de brigar com os amigos sem motivo só porque está desesperado.
E os amigos precisam compreender que é desespero e deixar o surto passar. Amizade se mede pela cota de perdão, como sempre nos diz Xico Sá, triste que só ele, em noites de botequim. Todos temos o direito de achar que sua vida é um poço de desgostos sem fim. Mesmo que isso só dure um final de semana. Todo ser humano tem o direito de sofrer em paz sem ser reprimido por pessoas momentaneamente felizes que vão falar que tudo isso é uma bobagem.
Fica, a partir de agora, proibido o uso das seguintes expressões: "você vai ficar bem", "vai passar" e "não queria te dizer isso, até porque você já sabe, mas isso passa". Também fica proibido dizer que, no final, tudo vai ficar bem. Até porque isso é mentira. Nunca TUDO fica bem.
A humanidade está terminantemente proibida de exigir que pessoas momentaneamente tristes se transformem em seres animados e cheios de vigor, capazes de varar madrugadas dançando e dando risada.
Todo ser humano tem o direito à melancolia, o que não significa que tenhamos que cultuar a depressão. Como dizia Camile Claudel: "Sempre há alguma coisa que falta, e isso atormenta".
E, como dizia Caio Fernando de Abreu, citando a moça: "Sempre há alguma coisa que falta. Guarde isso sem dor. Embora, em segredo, doa". E, como não dá para não citar Fernando Pessoa, "Viver causa-me náuseas".

Momentos de histeria

"Everybody hurts sometimes.
You are not alone"


@ - 02neuronio@uol.com.br


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