São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 2002

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ESPORTE

Revelações dos Jogos Sul-Americanos viraram atletas quase por acaso

Gente de fôlego

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Atleta não nasce com tocha na mão e medalha no peito. Pode levar alguns -ou muitos- anos para que se descubra a vocação para o esporte. No Brasil dos contrastes, essa iniciação rende casos curiosos: o da garota que chamou a atenção de um técnico brincando de pular elástico nas ruas de uma pequena cidade no interior de Perbambuco, o do menino que se iniciou nas corridas zanzando pelas vielas de uma favela carioca e o da paulista que conheceu o golfe por causa da mania que empresários japoneses tinham de fazer reuniões de negócios com o pai dela durante partidas do esporte.
As três histórias são de jovens esportistas que participaram, no início de agosto, dos Jogos Sul-Americanos Brasil 2002: a pernambucana Keila da Silva Costa, 19, que participou das competições de salto triplo e de salto em distância, levou dois ouros e bateu os recordes sul-americanos das duas modalidades; o carioca Bruno Pacheco, 19, foi medalha de ouro na corrida de 200 metros, na qual também bateu o recorde juvenil sul-americano, e a paulistana Maria Priscila Iida, 22, medalha de ouro na competição de golfe.
Keila, que hoje é considerada uma atleta de ponta, nunca teve condições ideais de treinamento. Desde os nove anos, ela corre em uma pista de terra batida da cidade de Abreu e Lima, no interior de Pernambuco. Para os saltos, improvisou uma caixa com tijolos e areia. "Quando corro na pista sintética, sinto uma facilidade enorme", explica.
Ela chamou a atenção do técnico Roberto Andrade correndo e brincando de pular elástico nas ruas da cidade. "Era "amostrada". Pedia às meninas que colocassem o elástico lá em cima para eu pular. Queria ser a melhor", diverte-se.
Desde então, Keila precisou ganhar muita competição em que o prêmio era um pirulito ou um saco de pipoca para chegar a receber medalhas de verdade. "Hoje tenho patrocínio e sou uma atleta de nível", gaba-se. Parte do que Keila ganha com patrocínio e competições vai para as crianças e os jovens do projeto esportivo que integra. "Minha cidade é pequena, mas tem muita criança e hoje todo mundo gosta de esportes."
Bruno é outro atleta que influencia na favela do Borel (zona norte do Rio de Janeiro), onde cresceu. "Hoje, há outros garotos da favela no esporte. Estou servindo de espelho para eles", comemora.
O atleta conta que, antes do esporte, o cotidiano difícil da favela onde vivia o levou a desenvolver "amizades erradas". "Se não fosse o esporte, estaria provavelmente morto, envolvido com drogas ou preso", especula.
"Acho que toda favela deveria ter uma vila olímpica. É uma ótima maneira de tirar crianças da rua. Eu, que costumava correr pelas vielas da favela, agora compito nas pistas do mundo. Para mim, o esporte foi uma luz."
Para Maria Priscila, foi mais fácil. Seu pai teve de ficar sócio de um clube de golfe por causa dos clientes japoneses que gostavam de fazer negócios nos campos. Com isso ela teve, desde cedo, contato com um esporte pouco praticado no país. "Todo mundo acha que golfe é esporte de velho, mas a maior parte dos competidores brasileiros são jovens."
Maria conta que o golfe tem-se popularizado no Brasil graças à pratica de alguns famosos como o craque Ronaldo e o piloto Rubens Barrichello. "É um esporte que requer muito investimento porque tanto o material quanto o aluguel do campo são caros", queixa-se. Mas isso não torna o golfe inacessível. "A maioria dos profissionais do golfe do Brasil são ex-carregadores de bolsas que fizeram da proximidade com os campos um caminho para a prática e o ganha-pão."



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