|
Próximo Texto | Índice
CAPA
Documentário que estréia na sexta compara a vida de dois jovens da periferia de Recife e discute a situação social no país
Sobrevivendo no inferno
Dado Galdieri/Folha Imagem
|
O músico Garnizé (esq.) e o cineasta Marcelo Luna, na pré-estréia do filme, em São Paulo |
MARCELO VALLETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma garotada com cabelo black, bonés, grossas correntes douradas nos pescoços e o nome "Manos do
Gueto" pintado nas camisetas largas dança break e canta rap em uma roda. Uma cena cada vez mais comum
nas periferias das grandes cidades, onde a cultura hip
hop prolifera, mas insólita no Espaço Unibanco de Cinema, tradicional ponto da alta cultura de São Paulo,
onde são exibidos filmes "de arte", que não costumam
frequentar os shopping centers.
A moçada do rap esteve lá no último dia 7, sob olhares
de gente de expressão do cinema nacional, como o diretor Hector Babenco e o ator Sérgio Mamberti, para a
pré-estréia do premiado documentário "O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas", de Paulo Caldas -que co-dirigiu o filme "Baile Perfumado" com Lírio Ferreira- e Marcelo Luna, que estréia em quatro
capitais na próxima sexta-feira -na quinta-feira, dia
16, há uma sessão especial para os leitores do Folhateen.
O filme discute a situação social e cultural das periferias das grandes cidades por meio da comparação das
histórias de dois jovens criados em Camaragibe, município próximo a Recife. Um deles é José Alexandre dos
Santos de Oliveira, 27, mais conhecido como Garnizé,
baterista do grupo de rap Faces do Subúrbio -ele também ensina percussão para cerca de 150 crianças da comunidade. O outro é Hélio José Muniz, 21, conhecido
como Pequeno Príncipe ou, simplesmente, Helinho
-ele está em um presídio em Recife, condenado a uma
pena de 201 anos por 44 homicídios.
"Um dos objetivos é justamente tentar fazer uma
ponte entre a periferia e a classe média", diz Luna, 32. A
idéia surgiu em janeiro de 98, quando uma entrevista
com Muniz foi publicada pelo "Diário de Pernambuco"
-a manchete era "Matar é como beber água".
"Nossa idéia inicial era entrevistá-lo, pois ele é uma
síntese emblemática do absurdo a que chegou a violência nas grandes cidades", conta Luna. "Mas como ele é
visto por algumas pessoas como um defensor da comunidade, um justiceiro, pois ele matava apenas as almas
sebosas (criminosos), sentimos a necessidade de não fazer apologia ao crime e não trazê-lo como único personagem. A gente conheceu Garnizé e viu que o caminho
dos dois poderia ser comparado, usando o rap como
crônica, como discurso político", afirma.
"Eu conhecia Hélio de cumprimentar, mas não de bater bola, de ir pra clube, pra pagode... A gente se conheceu melhor na filmagem, quando ele me falou que havia
matado um cara que me assaltou", conta Garnizé. "A
cena em que a gente aparece juntos foi feita para provar
que saímos do mesmo gueto, mas as estruturas familiar
e educacional foram diferentes. Por isso é que nós tomamos rumos distintos. Mas nós somos iguais, na essência. Eu poderia estar no mesmo nível que ele. Só acho
que ele não pensou", afirma. Muniz não foi entrevistado, porque exigiu dinheiro para falar com a reportagem
do Folhateen.
O filme ficou pronto em março deste ano, mas só agora estréia em circuito comercial. A obra já foi exibida em
universidades e em bairros de periferia e
participou de diversos festivais -ganhou prêmios de
melhor filme pela escolha do público do 2º Festival Internacional de Cinema de Brasília e do 5º Festival Internacional de Documentários: É Tudo Verdade-, inclusive dos de Cannes e Veneza, onde ganhou elogios da
imprensa. "Em Veneza me fizeram a pergunta mais incrível: como foi dirigir os atores", diz Caldas, 36. "Teve
um italiano que se indignou e gritava, irado: "O delegado, a mãe e o radialista são atores'", conta.
Garnizé, casado e pai de dois filhos, aproveita a notoriedade para conhecer o mundo -ele viajará para Cuba
e Canadá, onde o filme será exibido- e divulgar projetos sociais. "Eu me tornei um exemplo na comunidade,
e isso não tem dinheiro que pague. É essencial mostrar
que dá pra fazer muita coisa com muito pouco. Veja o
Afro-Reggae, no Rio, o projeto Axé, em Salvador, o hip
hop de São Paulo, projetos de Recife como o Nascedouro, em Peixinhos, o Alto Falante, no Alto José do Pinho,
o Sou de Camará, em Camaragibe. Com tão pouco, estamos conseguindo mudar a cara da periferia."
Próximo Texto: Leitores assistem ao filme na quinta Índice
|