São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2000

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ESTANTE

Um grande capítulo da vontade de fazer do Brasil um lugar melhor

LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 25 de agosto de 1882, o "Correio Paulistano" estampou um anúncio de enterro do cidadão Luiz Gama. Logo abaixo, vinha outro, como o título "Escravo fugido", que prometia uma bela grana para quem levasse à polícia Belarmino, 18, "rosto descarnado, falta de dentes na frente, fala fina e pés grandes", que havia fugido de seu dono, levando consigo um cavalo.
Só isso já nos dói no olho civilizado de hoje (mais ou menos civilizado, porque o que a gente aceita de injustiça social não é pouco). Imagina um cara ser escravo, pertencer de corpo e alma a alguém. Mas o que dói mais é que o falecido do outro anúncio era um dos maiores batalhadores pela libertação dos escravos no Brasil, o republicano Luiz Gonzaga Pinto da Gama.
Antes de ser paladino da abolição, uma história dura. Luiz Gama nasceu de mãe africana livre, em Salvador, em 1830. Seu pai era branco. Cinco anos depois, estoura a Revolta dos Malês, insurreição negra de características libertárias, com um tempero religioso importante -os líderes, como a mãe de Luiz, eram africanos muçulmanos, escravizados ou livres. Em 1837, rebenta a Sabinada, na mesma Bahia, conflito que também envolveu os pais de Luiz. Sua mãe foge para o Rio.
Em 1840, o pai de Luiz, por dívidas de jogo, resolve vender seu próprio filho. O menino, pela lei, era livre, mas não adiantou. Ele foi levado para o Rio e, por ter vindo da Bahia, terra vista como foco de rebeldia, não encontrou comprador. Foi então trazido a São Paulo, onde encontrou condições menos horripilantes de vida e aprendeu a ler e escrever. Aos 18, reuniu provas da injustiça de sua escravidão e foi considerado livre. Começou a trabalhar como jornalista e a batalhar pela abolição.
E fez poesia. Publicou pouco, boa parte em tom de sátira contra a sociedade. Seu mais famoso poema, "Quem Sou Eu?", mais conhecido como "Bodarrada", é um soco na hipocrisia daquele tempo. Tudo isso está em "Primeiras Trovas Burlescas".
E-mail: fischerl@uol.com.br

Primeiras Trovas Burlescas
Autor: Luiz Gama
Editora: Martins Fontes, 00000°°0 326 págs.
Quanto: R$ 27,50, em média


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