São Paulo, Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999


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Meninas fumam mais que garotos

João Wainer/Folha Imagem
Meninas são mais propensas a sentir dependência de nicotina e têm mais dificuldade de largar o vício


RENATA AFFONSO
free-lance para a Folha

Em países como Dinamarca, Alemanha e Estados Unidos, as meninas de 14 a 19 anos já fumam mais que os meninos da mesma idade. O alerta vem da Organização Mundial de Saúde (OMS), em documento divulgado em Kobe, Japão, durante a Conferência Internacional sobre Tabaco ou Saúde, realizada no mês passado.
Para quem participou do evento, essa afirmação revela aparente vitória da indústria do fumo na guerra por novos consumidores, no caso, consumidoras.
As pesquisas pelo mundo afora indicam o constante crescimento no consumo de tabaco pelas garotas. Nos EUA, por exemplo, em apenas seis anos (de 1991 a 1997), o número de alunas do ensino médio que fumavam passou de 27% para 34,7%, segundo o Jornal Americano de Saúde Pública, espécie de Conselho Federal de Medicina.
O Brasil não fica atrás. O Centro Brasileiro de Informações sobre Doenças Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo pesquisou durante dez anos (1987 a 1997) o consumo de cigarro entre estudantes de 10 a 18 anos de dez capitais brasileiras. O resultado não é nada animador, especialmente para as jovens do Rio, de São Paulo e Porto Alegre, capitais onde só cresce o número de mulheres jovens fumando.

Por que as garotas?

Em 50 anos, as mulheres conseguiram transformar, em velocidade vertiginosa, várias situações de desigualdade. Valores, comportamentos, direitos legais, muita coisa mudou. Começaram a adquirir hábitos até então masculinos, como dirigir, trabalhar fora de casa e... fumar! Os fabricantes de cigarro, antenados às conquistas femininas, voltaram suas miras para esse público novo que faria suas margens de lucro darem um salto.
Reforço de identidade e auto-estima, busca de aparência mais adulta e atraente, aprovação de amigos, glamour. "Essa é a estratégia de propaganda e venda de cigarros voltada para o público jovem feminino. Isso é o que eles tentam vender desde o início do século", alerta Renata Bloem, presidente do Comitê sobre a Situação da Mulher, com sede na Suíça, que trabalha contra o tabagismo entre mulheres e jovens.
Para quem pensa que isso é papo de antitabagista ou ex-fumante, muitas dessas informações foram tiradas, há aproximadamente duas décadas, começando em 1972, de documentos internos das indústrias de cigarro que analisam maneiras de inserir o hábito de fumar na adolescência.
Documento da indústria canadense Imperial Tobacco, datado de 1982, descreve o chamado Projeto 16, disponível no site do jornal "Washington Post". A fabricante observa que muitas jovens começam a ser fumantes entre os 14 e 16 anos "porque experimentam e não acreditam que se viciarão. Uma vez que o vício ocorre, será necessário para a fumante apaziguá-lo", indica o projeto.
Em 1991, a americana Philip Morris já despertava para o público juvenil. "Jovens de hoje são consumidores (as) fiéis de amanhã, e a maioria esmagadora de fumantes começa quando ainda é adolescente... A fatia de fumantes adolescentes é particularmente importante para a Philip Morris", diz documento interno.
"O objetivo do Projeto AA é desenvolver uma marca de cigarro atraente para potenciais fumantes femininas de 18 a 24 anos. A seguir, segue análise do mercado dessa faixa etária e a oportunidade que temos de endereçar uma nova marca para elas", afirma outro documento, de 1992 da indústria RJ Reynolds.
Um memorando de consultores da indústria americana Brown & Williamson recomenda à companhia a criação de cigarros com sabor de Coca-Cola, maçã ou outro tipo de "cigarro com sabor doce... É fato conhecido que adolescentes adoram produtos doces. Mel deve ser considerado".


A jornalista Renata Affonso viajou ao Japão a convite da organização do evento



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