São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009

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COMPORTAMENTO

O limite da intimidade

Beijo na boca em família vira caso de polícia; até onde podem ir os contatos íntimos entre pais e filhos?

Carol Guedes/ Folha Imagem
Julia, 17, passou a fechar a porta do quarto para se trocar

CHICO FELITTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O "selinho" está na boca (fechada) da galera. A modalidade de beijo em que lábios se tocam de leve, se praticada entre pai e filha, pode ocupar lugar no banco dos réus. Pode mesmo.
No Brasil, a acusação de dar uma bitoca na filha e acariciar a menina, de oito anos, por debaixo do maiô renderam dez dias de cárcere para um italiano de 40 anos, denunciado por um casal que se banhava na mesma piscina de hotel, em Fortaleza.
O pai nega ter bolinado a menina e diz que o beijo é forma de mostrar carinho em sua casa.
De volta à Itália, o empresário espera julgamento. Enquanto isso, o Folhateen acende a discussão: a intimidade do "selinho" é aceitável? E andar pelado em casa, pode?
Ygor Bahia, 17, já foi acusado informalmente de delito parecido com o do italiano. Acalentava a mãe na rua quando algumas pessoas sugeriram, "maldosamente", que não eram parentes. Ele é negro. Ela, branca.
Ygor diz que prefere deixar o episódio "para trás". Mas que não desistiu de mostrar amor como aprendeu em casa, com "selinhos" e chamegos.
"A gente faz o que sente, sem se importar com a idade", diz a irmã de Ygor, Içara. Aos 23, ela é outra adepta do "selinho", que diz ser comum em Salvador (BA), onde moram.
Julia Zaccarelli, 17, diz que também não é raro ver "selinhos" familiares em São Paulo. Mas nunca dentro da sua casa.
"Só abraço meus pais. Beijo no rosto, de vez em quando." Para Julia, o beijinho geralmente vai além da afeição, e deve ser reservado para namorados. "Em tese, não teria problema, já que eles são meus pais, mas não gosto e pronto."
A reserva dela veio com a adolescência. Quando criança, tomava banho com os pais numa boa, hábito que abandonou quando a vergonha chegou. "Tenho uma relação aberta com eles, mas prefiro me trocar de porta fechada."
A divisória entre o quarto de Giúlia Issao, 17, e o resto da casa também vive selada. "Tenho vergonha de fazer algumas coisas na frente dos meus pais desde pequenininha." Dar "selinhos" neles nunca passou pela cabeça dela, que dá poucos abraços em família.

Quarto selado
Pais nunca devem chutar a porta, diz a psicóloga do Ma ckenzie Elisa Bourroul. "O jovem precisa de espaço para ampliar horizontes. Isso passa por se distanciar da família."
Agora, se sua família janta pelada e isso não te deixa desconfortável, não pare de fazê-lo só para ser igual aos amigos.
"Andar nu não é ruim. "Selinho" não é ruim. Pode ser muito saudável, desde que [o teen] esteja pronto para lidar com o que o espera fora de casa."
A psicóloga da USP Leila Tardivo aconselha a evitar contato físico ou visual que possa ser mal-interpretado pelos filhos.
"Confundir amor com sexo é um risco, ainda mais na idade em que os desejos crescem."
A receita para evitar analogias ao mito de Édipo é que a família preserve a intimidade do jovem, bem como a sua.
"Pais não devem falar de sua vida sexual, nem expô-la. Pai que quer ser só amigo dos filhos faz, na realidade, que esses jovens fiquem "orfãos"."
Assim como nas relações familiares, a subjetividade conta muito na interpretação da lei.
"Precisaríamos de uma bola de cristal para saber se a intenção de um "selinho" é sexual ou não", diz o desembargador da Infância e da Juventude Antônio Malheiros, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Malheiros admite que beijos, carinho paterno e hábitos como andar nu em casa são "zona cinzenta" para o direito.
"É uma área em que o julgamento depende muito da interpretação do juiz, dos olhos de quem acusa e das relações que se tem dentro de casa." Assim como no caso de Fortaleza.


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