São Paulo, segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

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ESPORTE

Quero ser Guga

Eles largam a família, abrem mão de namorar e treinam seis dias por semana; tudo para ser o número 1 do tênis mundial

Marcelo Justo/Folha Imagem
Tiago Fernandes, 17, o 3º melhor do mundo no ranking juvenil

TARSO ARAUJO
ENVIADO ESPECIAL A CAMBORIÚ (SC)

O calor chega perto dos 40ºC em Camboriú (SC). No centro de treinamento, uma dezena de adolescentes faz exercícios e corre sob sol escaldante, durante quase uma hora.
A poucos quilômetros, jovens de férias curtem o verão na praia, enquanto eles seguem para as quadras de tênis. Cercados de bolinhas amarelas, sacam por horas a fio, sem parar.
Em uma das quadras, há um pôster de Gustavo Kuerten sorrindo. Ele já treinou ali. É a inspiração desses garotos e garotas para viver uma adolescência de abdicação e muita ralação.
Só assim eles poderão ir tão longe quanto seu herói.
"Essa safra viu um ídolo jogar, entrou na quadra por conta própria", diz Larri Passos, no centro de treinamento onde prepara novas promessas do tênis brasileiro.
O primeiro de seus novos pupilos a conquistar um resultado expressivo foi o maceioense Tiago Fernandes, 17, que em janeiro tornou-se o primeiro brasileiro campeão juvenil de um Grand Slam -principal tipo de torneio de tênis.
Mas a rotina de Tiago e dos jovens que querem se tornar tenistas profissionais é feita de muito mais suor e de sacrifícios do que de louros da vitória.
A maioria deles começou a praticar o esporte em escolinhas, com menos de dez anos, e a disputar os primeiros torneios com cerca de 12 anos. "Com essa idade eles já têm de saber ler o jogo", explica Larri.
Para se tornar profissional, no entanto, é necessário muito mais. E a vida precisa mudar perto dos 14, quando eles deixam as escolinhas para treinar mais seriamente.
Até completarem 18 anos, eles estudam de manhã e treinam cerca de quatro horas por dia, de segunda à sábado. Nas férias, são oito horas diárias.
"Alguns se assustam quando veem o quanto é preciso trabalhar para ser profissional", diz Fernando Roese, um dos quatro treinadores do IGT (Instituto Gaúcho de Tênis), onde treina Guilherme Clezar, o 13º do ranking juvenil.
"Tem que abrir mão de muita coisa. Para começar, na sexta-feira os amigos vão para festas e nós vamos dormir", diz Bruno Semenzato, 18, que divide apartamento com Tiago.
Como eles viajam muito -passam mais de metade do ano em competições no Brasil ou no exterior-, também fica difícil engatar um namoro. "Namorar aqui é difícil. Mas beijinho pode e é até bom", diz André Baran, 18, aluno de Larri.

Fábricas de Gugas
Para se tornarem profissionais, esses tenistas precisam, desde cedo, de um treinamento de alto nível, com treinadores experientes e torneios difíceis, além de quadras, fisioterapia, musculação, psicólogos etc.
Hoje, existem poucos lugares assim no Brasil, que só treinam jovens convidados por se destacarem em campeonatos mirins.
Dois deles são a academia de Larri Passos, onde se paga mensalidade (os preços variam conforme o tenista), e o IGT, bancado por um patrocinador.
Dos cinco atletas brasileiros entre os 150 melhores juvenis do mundo, quatro vêm desses dois lugares -o quinto treina no Rio com Ricardo Acioly, ex-técnico de Fernando Meligeni.
A esperança de jogadores e de técnicos é que vitórias como a de Tiago Fernandes atraiam mais investimentos para o esporte. E façam crescer no país o número de bons centros de treinamento e de bons tenistas.
Quem sabe se no futuro o país da bola não vira, também, o país da bolinha?


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