São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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NA ESTRADA

Mayra Dias Gomes - mayradiasgomes@uol.com.br

O silêncio dos inocentes

Quando eu tinha 15 anos de idade, duas músicas não saíam do meu Discman: "Shade", do Silverchair, e "She", do Green Day. Ambas falavam sobre parar de se esconder, quebrar o silêncio e deixar de sentir culpa. "Shade", em particular, incentivava vítimas de abuso a conversarem com alguém. Eu me identificava. Aos 15 anos, havia sido vítima de abuso sexual. Esta é a primeira vez que admito isso em público.
O número de abusos sexuais que vemos nas estatísticas não chegam nem perto do que esse número é de verdade. A maioria dos casos permanece em segredo. A criança ou o adolescente que foi abusado geralmente sente vergonha, nojo, medo e culpa -prefere não denunciar para não trazer o caso para os holofotes.
O menino maior de idade que abusou de mim primeiro me seduziu a ter vontade de perder a virgindade com ele. Na noite em que ele transou comigo contra minha vontade, eu o havia convidado para uma festa na minha casa. E nós já havíamos nos beijado antes.
"Vão me culpar porque eu gostava dele" e "Ninguém vai acreditar em mim" foram alguns dos pensamentos que me impediram de denunciá-lo. Era o que ele queria. Eu fui aliciada a pensar dessa maneira.
Carla (nome fictício), de Ribeirão Preto, em São Paulo, também ficou em silêncio. Três amigos do irmão de sua amiga, que moravam no mesmo condomínio que ela, a seguraram e a estupraram. Ordenaram que ela fingisse que estava gostando ou apanharia.
Carla continua vendo um dos estupradores todos os dias e, às vezes, dá "oi" quando ele passa. Ela ainda tem medo de que ele a segure à força novamente, mas prefere ignorar o que aconteceu. É doloroso demais lembrar.
Mesmo que Carla sinta-se mais forte hoje em dia e que eu tenha superado o incidente por conta do apoio familiar que recebi, sabemos que nossos agressores estão livres e que, certamente, repetiram ou repetirão o que fizeram conosco. Isso nos atormenta.
Escrevo a coluna desta semana bravamente para tocar quem está passando por algo parecido. Coloco-me em primeira pessoa para servir de exemplo negativo e para pedir que o silêncio seja quebrado. Se você foi ou está sendo abusado, denuncie. Não deixe que outra pessoa sofra na mão do seu agressor. Mude uma vida.


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