São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009

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COMPORTAMENTO

A rotina dentro dos muros

Conheça a história de jovens que perderam a liberdade ao cometerem infrações como roubo e tráfico de drogas

Rafael Hupsel - 15.abr.09/Folha Imagem
Reeducando em corredor entre os dormitórios da instituição


DIOGO BERCITO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Foi 157, senhor."
É assim, abaixando a cabeça, que Pedro*, 18, explica ao repórter -apenas três anos mais velho do que ele- por que questões como aprender a dirigir, entrar na faculdade e sair com a namorada não estão em seus planos a curto prazo.
Pedro se refere a um número que conhece bem: o artigo 157, no Código Penal, significa roubo. Para ele, significou, também, passar o último ano entre quatro muros, vigiado.
O rapaz é um dos 5.300 internos da Fundação Casa (a antiga Febem), para onde vão garotos e garotas de 12 a 18 anos que cometem infrações graves no Estado de SP -a maior parte (45,6%) por roubo.
Em visita a três unidades da instituição, o Folhateen acompanhou alguns desses jovens -como Pedro, que prefere não dizer o que tentou roubar, mas afirma estar arrependido ("Eu tinha tudo em casa, foram as más companhias").
Garotos como ele, vestindo camiseta branca e calça azul de moletom (ou, nas aulas de educação física, short e colete), passam os dias entre os pátios, as salas de aula e os dormitórios da fundação. Em cada quarto visitado, havia quatro beliches de concreto com colchões, uma privada, um chuveiro e uma pia.

Caminho interrompido
O cenário ora lembra uma prisão, ora uma escola. Quadras esportivas e mesas de estudo convivem, lado a lado, com portões, grades e trancas.
Em uma das visitas, enquanto a fotógrafa explica aos internos como funciona sua câmera, o repórter conversa com Luís*, 17. Com um histórico de duas internações por roubo, a primeira aos 15 anos, ele diz esperar que a liberdade chegue logo -pretende estudar bioquímica.
Sua data de soltura será definida pelo seu comportamento nos próximos meses.
Respeitar os funcionários -ainda que 12 deles tenham sido afastados por agressão a internos, em 2008- é uma atitude que conta pontos a favor.
Recentemente, Luís parou de fumar, ganhou fôlego e, em 2008, foi o campeão entre as unidades da fundação na corrida de 400 metros.
O esporte é uma das ferramentas para a reeducação dos jovens. Outras são as aulas (todos são obrigados a cursar o módulo referente à série em que estavam na escola) e os cursos, como o de panificação.
Para acompanhar o cronograma, os internos acordam às 6h -rotina puxada para quem se acostumou a viver às margens das regras.
Um que teve dificuldade para se adaptar foi Mário*, 17. "Nunca gostei de seguir ordem, nunca trabalhei e não gosto de acordar cedo", deixa claro.
O jovem saiu de casa aos 12 anos, por não se dar bem com o pai, e sobreviveu nas ruas por meio de roubo e de tráfico. Foi pego após roubar um carro e ser perseguido pela polícia, história que conta com orgulho.
Apesar dos momentos de descontração -"A fundação para na hora de assistir à "Malhação'", diz-, o garoto não vê a hora de reconquistar a liberdade. "Quando a gente olha para a grade na janela, dói."
É sua primeira internação, mas muitos de seus colegas de confinamento já estiveram ali antes -em 2006, 29% dos internos eram reincidentes.
André*, 21, que já passou por duas internações (aos 15, tentou roubar uma imobiliária e, aos 17, uma lotérica), hoje trilha um caminho mais seguro.
No final de 2008, indicado pela Fundação Casa, começou a estagiar em uma empresa de transporte público. "Tenho um carro, conquistei as minhas coisas", diz, orgulhoso.

Perfil específico
A maioria dos internos da fundação é de pardos e de negros (somados, 67%, segundo pesquisa de 2006) e vem de famílias pobres -só 9% têm computador em casa, por exemplo.
Para Thales Cezar de Oliveira, promotor de Justiça da Infância e da Juventude, as porcentagens são o reflexo de uma situação econômica desfavorável. "O adolescente que tem dinheiro não vai trabalhar no tráfico de drogas ou no roubo."
Berenice Maria Giannella, presidente da Fundação Casa, aponta, no entanto, outra explicação. "O juiz vê um jovem vindo de uma família desestruturada e enxerga a necessidade de internação", diz.
"O poder de decisão do juiz é muito grande e pode levar a erros, como internar por furto", continua. O furto, que não prevê internação, hoje corresponde a 3,9% das infrações que foram cometidas pelos internos.


* Todos os nomes foram trocados


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