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Legião Urbana expressa o que jovens não conseguem dizer
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
"É preciso amar as pessoas como se não
houvesse amanhã/ Porque, se você parar
para pensar, na verdade não há." Os versos da
canção "Pais e Filhos", da Legião Urbana, foram cantados na semana passada, em absoluta comoção, no enterro do estudante Felipe
Caffé, assassinado aos 19 anos.
Como todos sabem, Felipe e a namorada,
Liana Friedenbach, 16, foram mortos quando
acampavam em um sítio abandonado em
Embu-Guaçu, na Grande São Paulo.
Como tantas músicas compostas por
Renato Russo, "Pais
e Filhos" não é do tipo que fixa imediatamente nos ouvidos. Tem uma estrutura estranha, letra
longa. O refrão,
quando aparece, é
quase já no final.
Ainda assim, diante de situações extremas, é geralmente no repertório da Legião Urbana que os adolescentes brasileiros vão buscar instrumentos de catarse, de purificação do espírito.
Do ponto de vista da crítica, muito pouco se
salva da obra de Renato Russo/Legião Urbana. Musicalmente, nunca foram além de suas
influências mais óbvias, Smiths e Joy Divison.
Nas letras, o simplismo chega a níveis constrangedores. Intermináveis, sugerem falta de
poder de síntese. Os versos livres, sem rimas,
mais do que experimentação poética, indicam mesmo incapacidade de criar uma métrica mais elaborada. Nem 50 Renatos Russos
somados chegariam ao nível de sofisticação lírica de Morrissey, líder dos Smiths, o mais óbvio dos ídolos do músico brasileiro.
Mas acontece que nada do que foi escrito logo acima está em jogo quando o contexto é o
de uma situação tão inqualificável como a das
mortes de Felipe e Liana. Quando a brutalidade ultrapassou os limites do suportável, os jovens recorreram à lírica simples da Legião,
que fala de coisas que eles entendem de um
modo acessível, e cujo pano de fundo musical
é secundário -o que vale mesmo é a letra.
Na obra "Introdução à Sociologia da Música", Theodor Adorno (1903-1969), filósofo estudioso da indústria cultural, aborda a separação entre o que se diz sobre música e os efeitos que ela produz. "A questão da relação da
música com a opinião pública perpassa aquela de sua função na sociedade atual. O que se
pensa, diz e escreve sobre música, os pontos
de vista que as pessoas expressam, difere fortemente da função real da música, do efeito
real que ela tem sobre as vidas das pessoas, sobre sua consciência e seu inconsciente."
Adorno escreveu o texto no início dos anos
60, na Alemanha, quando a indústria da música pop ainda estava em seus primórdios e
não tinha nem sombra da importância e do
alcance de hoje.
Seria interessante saber o que Adorno diria
sobre a música cantada no enterro de Felipe
Caffé.
Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
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