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free way
Vergonha nacional e o jegue coletivo
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Foi mal chegar à Terra Brasilis, que os ares putrefatos da nação trouxeram consigo mais um
daqueles gostos aziagos vindos
de mais uma das tantas tramóias, mentiras e desastres em
que somos metidos por essa elite dirigente.
As fotos dos jornais e revistas
teimam em mostrar a parte Biafra do país aos segmentos que se
crêem Suíça, encastelados que
estão em seus palácios refratários e murados. Mais um ano,
mais uma seca, mais cenas de
gado morto, terra rachada, colheitas destruídas e, obviamente, mais preocupante e desesperador, pessoas morrendo de fome, esvaindo-se até o último
fiapo.
Escondida entre os xingamentos dirigidos ao El Niño, os apelos a Deus, Padre Cícero e Zé
Gotinha, fica uma daquelas gordas hipocrisias da nossa vida
nacional.
A comiseração e piedade para
com os que sofrem das chagas
da seca, quando vinda dos mandatários da República, é showbiz. Se quisessem ter resolvido o
problema da seca nordestina, já
o teriam feito há tempos.
Como não querem, escondem-se atrás da vergonhosa falácia de que "agora está tudo
nas mãos de Deus" e outras lorotas.
A seca continua porque interessa aos coronéis do sertão
nordestino, que se alimentam
da miséria, do sofrimento e da
ignorância de um povo que não
pode querer cometer o grave pecado de se desenvolver. Ainda
mais se esse crime for acompanhado pelo desejo de usar um
pouco da água sugada pelos
grandes latifundiários para suas
megaplantações.
Se podia ser acobertada na
época do café-com-leite e do voto de cabresto, hoje já não é tão
fácil. A miríade de exemplos do
mundo faz chegar à óbvia constatação de que, se a seca é uma
ocorrência provocada por São
Pedro, sua manutenção ou erradicação é tarefa dos homens.
Veja aí o exemplo de Israel, comemorando agora apenas 50
anos de existência e já com um
setor agrícola desenvolvido por
meio de irrigação no deserto do
Neguev, mais seco de chuvas
que o Planalto Central é de
idéias. Resolveu-se lá o problema porque as lideranças pensaram antes no país, e não em seu
cercadinho.
Agora as cabeças coroadas parecem ter percebido que essa
política não vai resultar em acomodação, mas, sim, em saques
e ameaça à propriedade privada, o que causa muito mais comoção nas elites nordestinas do
que a morte de meia dúzia -ou
meio milhão, tanto faz- de miseráveis. O fato de começarem a
agir -com a transposição do
São Francisco e, espera-se, a reforma agrária- só serve para
corroborar a impressão de que o
que faltava não era chuva, mas
vergonha na cara.
Só sobram mentiras. A última
(e talvez mais perniciosa) é a
idéia repetida por vários de
meus interlocutores de que nós
não podemos fazer nada a respeito. Vem, é claro, de uma concepção equivocada de que o país
é "deles", mas isso é assunto
pra discussão mais longa. O fato
é que o país é nosso, os governantes, nossos empregados, e os
flagelados, nossos compatriotas. É um dever moral ajudá-los.
Assistencialismo não é solução,
mas é paliativo importante, e é
nossa obrigação aproveitar a variedade de iniciativas de socorro
espalhadas em escolas, lojas,
bancos etc. e doar um pouco para quem precisa. Claro que a solução do problema só vem por
meio de medidas governamentais, mas estão aí as eleições pra
você colocar a pessoa certa no
lugar devido. Pra mostrar que
os risonhos do Planalto podem
comer buchada de bode, usar
chapéu de sertanejo e jogar papo fora, porque asinina é só a
manada de jegues do sertão, e
não os eleitores nacionais.
Gustavo Ioschpe, 21, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA,
e-mail: desembucha@cyberdude.com. O
colunista está de férias no Brasil
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