São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

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saúde

O mundo em preto-e-branco

Mesmo com todo o sofrimento que sentem, muitos jovens não percebem que são vítimas de depressão; saiba quais são os sintomas da doença e veja se é hora de pedir ajuda

LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos os dias, Mariana acordava e queria que o dia passasse muito rápido para poder voltar de novo para a cama. Com 15 anos na época, só se sentia bem no quarto, dormindo. Não queria fazer mais nada, não tinha interesse em nada, nem emoções.
Obrigada a morar nos EUA por conta do trabalho do pai, Mariana não fazia questão de conhecer pessoas. Não tinha amigos e ficava ansiosa em ter de corresponder às expectativas dos colegas de escola em relação a ela. Acabava sempre só.
A vida de Mariana, que hoje tem 21 anos, se repete em adolescentes de muitas outras famílias. Mas, diferentemente dela, muitos desses jovens não procuram ajuda psiquiátrica ou psicológica por não saberem que esse comportamento é uma doença chamada depressão. E, se não for tratada, ela pode trazer graves conseqüências ou até levar ao suicídio.
Segundo Lee Fu I, psiquiatra infantil do Instituto de Psiquiatria da USP e conselheira da Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos), a depressão é causada por uma soma de fatores biológicos, psicológicos e sociais.
Em primeiro lugar, há indivíduos que nascem com predisposição genética para a depressão. Mas doenças crônicas, esforço e estresse físicos também podem ser causas, porque prejudicam processos mentais.
O fator psicológico é o que aconteceu na vida, algo grave ou a morte de um parente próximo, ou mesmo uma série sucessiva de coisas desagradáveis, mas não tão graves, como o fim do namoro, a morte do cachorro e um assalto.
Já o fator social são fatos que acontecem há muito tempo e devem continuar, como morar em uma cidade violenta ou pais que brigam o tempo inteiro.
"A soma das três coisas pode levar à doença. Mas a principal é a predisposição, já que muita gente, por exemplo, perde entes queridos e não entra em depressão", explica a médica.
Porém, para quem sofre da doença e não sabe, as causas pouco importam, já que o sofrimento é grande. "Tinha muitos amigos, mas, quando estava deprimido, não queria vê-los, queria ficar no meu canto. Dava vontade até mesmo de me matar. Depressão é um bagulho que faz você pensar de tudo", conta Marcelo, 17.
Aos dez anos, ele começou o tratamento, feito com a associação de remédios antidepressivos, receitados por psiquiatras, e terapia, conduzida por psicólogos ou psicanalistas.
Ao mesmo tempo que sofria sozinho, Marcelo ficava irritado com tudo e tinha um comportamento muitas vezes violento. Até um aparelho de TV ele chegou a jogar no chão.
"Melhorou muito quando comecei a tomar os remédios. Mas só fui me sentir bem com 15 anos, pois comecei a perceber que não adiantava ficar bravo, que era uma coisa passageira. Comecei a me tocar. O remédio ajudou muito, porque ele faz você não se sentir mal."
A terapia também o auxilia até hoje. "Converso sobre tudo o que acontece comigo, falo o que sinto, como está a minha cabeça, o que eu posso fazer para melhorar o meu futuro", diz.

Depressão normal
Variações de humor nessa idade são normais, por causa das mudanças físicas e hormonais e pelo questionamento e pela busca de uma série de novos valores que não eram claros na infância. "Quando avaliamos adolescentes, somos mais tolerantes, porque é um período turbulento. Nessa idade, eles dormem, agitam um monte e depois dormem de novo. É normal", explica Leila Tardivo, profª. de psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP.
"A depressão implica disfunção, em ter algum prejuízo na vida. Todo mundo tem os sintomas da depressão, porque são sintomas humanos. O que precisa ver é se a pessoa tem sofrimento em razão desses sintomas, como a dificuldade para fazer novos amigos ou o baixo rendimento escolar", explica o psiquiatra Marcos Tomanik Mercadante, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Segundo a jovem Mariana, que hoje leva uma vida normal, o primeiro passo antes de procurar ajuda é admitir que você está mal. Não é o mundo que está mal com você. "Tenha certeza de que vai passar uma hora ou outra, de que você não vai ficar assim pelo resto da vida. Se procurar ajuda, vai resolver."
A sensação de que o sofrimento nunca vai acabar é outro agravante nos casos de depressão, pois, na adolescência, surge a noção de tempo infinito, segundo a médica Lee Fu I.
"Como eles passam a saber que existe a possibilidade de algo ser infinito e não têm experiência de vida, acham que nunca solucionarão seus problemas. Para quem está deprimido, esse fator contribui para tentativas de suicídio. É uma armadilha da adolescência."


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