|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMPORTAMENTO
Trens da alegria
Sem grana e com casas pequenas demais para festejar, jovens franceses levam suas noitadas para o subterrâneo transporte coletivo
CHICO FELITTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Paris é uma "festa móvel",
como declarou o americano Ernest Hemingway
no título original de seu livro de
memórias de seus anos por lá.
Não sabia o escritor que, passados 45 anos, algumas comemorações seriam mesmo nômades na cidade luz. Por falta de espaço e de grana, muitos jovens passaram a festejar em estações e em trens do metrô.
"Minha casa é uma cela e eu
não posso pagar 15 [cerca de
R$ 40] para entrar em um clube e mais 7 [cerca de R$ 17]
por cada cerveja", diz Arnauld
Lapeyère, 22, com uma cerveja
de 1 [R$ 2,45] em punho.
Arnauld não está só nesse
trem. São 3 milhões de pessoas
mal-alojadas, segundo a Prefeitura, numa terra em que o aluguel de um apartamento de 13
m2, o equivalente a três partes
internas de um carro de tamanho médio, chega a custar
800 por mês. Ou seja, R$ 2.000.
Não que o salário-mínimo da
região seja baixo: são 8 (cerca
de R$ 20) por hora trabalhada.
Só que a lei francesa permite
estágios não-remunerados de
até quatro horas por dia, e o número de universitários que labutam de graça só faz crescer.
Enquanto Arnauld explica o
porquê de ter marcado na linha
seis do metrô o programa da
noite, os amigos de faculdade
de economia "sequestram" um
violeiro e o rodeiam dançando,
enquanto ele canta "Para bailar
la bamba/Se necesita una poca
de gracia".
Dois trens depois, uma turma só de garotas explica que a
maquiagem e o salto alto eram
só para o rolé de coletivo.
"Não vamos sair hoje, vamos
ficar bebendo aqui mesmo. Dá
pra fazer brincadeiras bobas,
tipo quem sai do trem correndo e bate a mão na parede mais
vezes. Ah, é o que se tem... ", explica Rachel Jacquot, 19.
Carona festiva
A balada do trem tem regras.
A primeira é chegar cedo: a última chance de ir para casa é à
uma da manhã em dias de semana e, estourando, às 2h durante o fim de semana.
O segundo conselho vem de
Cécile Dubois e de suas três
amigas que tomavam bebida do
tipo "ice" e ouviam som na estação Champs-Élysées-Clemenceau: "É só ir em direção ao
lugar onde tem mais boates. O
trem vai estar cheio da mesma
gente que você conheceria na pista de dança. E todos já estão
bêbados de qualquer forma...".
O DJ Aristopunk discorda.
Ele diz que é preciso acabar
com a fama de devasso bebum
de quem se diverte no trem.
"É um direito de uma juventude que está prensada, não pode nem mais festejar", diz.
No movimento Party Terrorist (terrorista de festa), Aristopunk já agitou oito megabaladas subterrâneas de tirar o vagão dos trilhos.
Em 2008, era tanta gente pulando que o trem parou e apagaram-se as luzes. Todo o mundo se animou e gritou feito louco, mas logo o maquinista veio
gritar com os "passageiros".
Uma última regra, aprendida
em campo pelo Folhateen, é:
cuidado na volta para casa, já
que o trem vira um "campo minado" por causa da combinação de bebida e balanço.
Texto Anterior: Concurso: Em busca de talentos Próximo Texto: Saindo da linha Índice
|