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DROGAS
Numa inversão de papéis, filhos levam pais a buscar ajuda para largar a maconha;
ambulatório da Unifesp oferece tratamento especial para quem quer deixar o vício
Segurando as PONTAS
ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
Era uma vez uma geração de jovens
que, escondidos dos pais, queimavam tudo até a última ponta. Eles
cresceram, casaram, tiveram filhos e se tornaram independentes para fumarem seu
baseado sem serem incomodados. Felizes
para sempre? Nem tanto. Hoje, muitas pessoas dessa geração, depois de anos e anos
de consumo, estão tentando parar de fumar maconha -e descobrem que isso não
é tão fácil como pensavam. Outras continuam fumando às escondidas... só que,
agora, dos próprios filhos.
"Muitos adolescentes não aprovam que
os pais fumem maconha. Esse é um dos
principais motivos para que essas pessoas
queiram parar de usar a droga. Ao contrário do que a gente imaginava, os filhos costumam ser mais caretas do que os pais", diz
Flávia Jungerman, coordenadora do Ambulatório de Maconha da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que, desde o
final do ano passado, está oferecendo tratamento para quem quer parar de fumar maconha (inscrições para maiores de 18 anos
pelo tel. 0/xx/11/5572-4809). "As pessoas
que nos procuram são mais velhas do que
esperávamos, muitos com mais de 40."
A psicóloga Silvia Brasiliano, uma das
coordenadores do Promud (Programa de
Atenção à Mulher Dependente Química do
Hospital das Clínicas), concorda. "O maior
incentivo para os pais que procuram ajuda
são os filhos, seja porque eles pressionam
diretamente, seja porque os pais não querem ser um mau exemplo para eles."
Esse foi o caso da empresária Adriana*,
31, que parou de fumar maconha porque
disse que se sentiu hipócrita ao esconder o
hábito da filha (leia texto ao lado). "O fato
de eu ter uma filha adolescente foi a principal razão para eu parar de fumar." Como
não fumava muito, não teve dificuldade.
Já a fotógrafa Mônica*, 39, teve mais problemas: começou com álcool e maconha
quando tinha 17 anos e chegou à cocaína.
Usou drogas por quase 20 anos -conseguiu parar com tratamento e a participação
no grupo Narcóticos Anônimos
(www.na.org.br). Mas a maior motivação
foram seus filhos, de 11 e 8 anos. "Esse é o
motivo mais forte para uma pessoa parar."
Vergonha
Muitos adolescentes, quando descobrem
que seus pais fumam maconha, não sabem
como agir e ficam com medo de que seus
amigos descubram. "Meu pai sempre fumou maconha, mas ele dizia que era fumo
de corda. Descobri que era maconha quando fiz 12 anos. Eu me senti mal, como se eu
tivesse um segredo que ninguém pudesse
saber", conta Claudia*, 14. "Depois, essa
vergonha foi se dissipando. Ele é publicitário, e percebi que isso é muito comum no
meio dele. Só contei para poucas pessoas."
Carolina*, 12, não gosta que sua mãe fume maconha. "Eu não quero
fumar quando crescer, já sei que isso não
leva a nada. Gostaria que ela parasse."
A estudante Cristina*, 23, também não
gostava quando sua mãe fumava -ela
morreu há dois anos. "Pedi várias vezes para ela parar. Quando ela estava careta, respondia que a vida era dela, que o dinheiro
era dela. Mas, se ela tivesse fumado, respondia que um dia ia parar."
Ela ficou sabendo que a mãe fumava maconha quando tinha 13 anos. "Eu via, mas
não sabia o que era. Um dia, ela alugou um
documentário sobre drogas, para mostrar
que aquilo era perigoso e que a vida dela
não era assim. Disse que, se eu ou meu irmão quiséssemos experimentar, a primeira
pessoa a saber devia ser ela. Eu era muito
criança, não entendi nada", lembra. Mais
tarde, ela acabou experimentando, mas
nunca gostou. "Sou careta por vocação."
Pais adolescentes
De acordo com as psicólogas Alessandra
Nagamine Bonadio e Andréa Costa Dias,
do Ambulatório de Maconha da Unifesp,
aquela história de que a pessoa que fuma
muita maconha queima seus neurônios é
mito. No entanto, estudos recentes indicam que os usuários ficam com a capacidade de concentração e a memória prejudicadas, além de enfrentar a chamada síndrome amotivacional. "As pessoas que fumam
maconha tendem a ser mais estagnadas, a
deixar tudo para fazer no outro dia. Deixam a casa desarrumada, por exemplo",
diz Alessandra. "A maconha é como um
freio de mão puxado. A pessoa vai, mas vai
devagar", afirma Andréa.
Segundo elas, é muito comum encontrar
pais que parecem adolescentes. "A hora da
maconha vira o único momento em que
eles podem estar só consigo mesmos, como
se tivessem uma vida de solteiros, sem
compromisso. E acabam restringindo sua
vida social, seus hobbies. A maconha é a
única fonte de prazer", diz Andréa.
Para Hélio*, 44, a maconha funciona como uma ponte com a juventude. "Acho
que mantém o espírito rejuvenescido. É
uma espécie de identificação com a geração
jovem." Ele é pai de cinco filhos, de três casamentos diferentes. Os mais velhos, de 18
e 20 anos, não fumam, mas sabem de tudo.
"A gente finge que fuma escondido, e eles
fingem que não sentem o cheiro", explica.
"Também preservamos a geração mais velha da família. Afinal, a gente vive em uma
sociedade que tem outra cabeça."
Apesar de ser considerada uma droga leve, a maconha pode, sim, causar dependência. "Muitos fumam todo dia e falam
que não são dependentes; dizem que é hábito", diz o psiquiatra André Malbergier,
coordenador do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos do Álcool e Drogas da USP).
Os sintomas da abstinência são irritabilidade, insônia, ansiedade, falta de apetite, dor
de cabeça e fissura pela droga.
* Todos os nomes das pessoas entrevistadas nesta
reportagem foram trocados por nomes fictícios
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