São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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DROGAS

Numa inversão de papéis, filhos levam pais a buscar ajuda para largar a maconha; ambulatório da Unifesp oferece tratamento especial para quem quer deixar o vício

Segurando as PONTAS

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Era uma vez uma geração de jovens que, escondidos dos pais, queimavam tudo até a última ponta. Eles cresceram, casaram, tiveram filhos e se tornaram independentes para fumarem seu baseado sem serem incomodados. Felizes para sempre? Nem tanto. Hoje, muitas pessoas dessa geração, depois de anos e anos de consumo, estão tentando parar de fumar maconha -e descobrem que isso não é tão fácil como pensavam. Outras continuam fumando às escondidas... só que, agora, dos próprios filhos.
"Muitos adolescentes não aprovam que os pais fumem maconha. Esse é um dos principais motivos para que essas pessoas queiram parar de usar a droga. Ao contrário do que a gente imaginava, os filhos costumam ser mais caretas do que os pais", diz Flávia Jungerman, coordenadora do Ambulatório de Maconha da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que, desde o final do ano passado, está oferecendo tratamento para quem quer parar de fumar maconha (inscrições para maiores de 18 anos pelo tel. 0/xx/11/5572-4809). "As pessoas que nos procuram são mais velhas do que esperávamos, muitos com mais de 40."
A psicóloga Silvia Brasiliano, uma das coordenadores do Promud (Programa de Atenção à Mulher Dependente Química do Hospital das Clínicas), concorda. "O maior incentivo para os pais que procuram ajuda são os filhos, seja porque eles pressionam diretamente, seja porque os pais não querem ser um mau exemplo para eles."
Esse foi o caso da empresária Adriana*, 31, que parou de fumar maconha porque disse que se sentiu hipócrita ao esconder o hábito da filha (leia texto ao lado). "O fato de eu ter uma filha adolescente foi a principal razão para eu parar de fumar." Como não fumava muito, não teve dificuldade.
Já a fotógrafa Mônica*, 39, teve mais problemas: começou com álcool e maconha quando tinha 17 anos e chegou à cocaína. Usou drogas por quase 20 anos -conseguiu parar com tratamento e a participação no grupo Narcóticos Anônimos (www.na.org.br). Mas a maior motivação foram seus filhos, de 11 e 8 anos. "Esse é o motivo mais forte para uma pessoa parar."

Vergonha
Muitos adolescentes, quando descobrem que seus pais fumam maconha, não sabem como agir e ficam com medo de que seus amigos descubram. "Meu pai sempre fumou maconha, mas ele dizia que era fumo de corda. Descobri que era maconha quando fiz 12 anos. Eu me senti mal, como se eu tivesse um segredo que ninguém pudesse saber", conta Claudia*, 14. "Depois, essa vergonha foi se dissipando. Ele é publicitário, e percebi que isso é muito comum no meio dele. Só contei para poucas pessoas."
Carolina*, 12, não gosta que sua mãe fume maconha. "Eu não quero fumar quando crescer, já sei que isso não leva a nada. Gostaria que ela parasse."
A estudante Cristina*, 23, também não gostava quando sua mãe fumava -ela morreu há dois anos. "Pedi várias vezes para ela parar. Quando ela estava careta, respondia que a vida era dela, que o dinheiro era dela. Mas, se ela tivesse fumado, respondia que um dia ia parar."
Ela ficou sabendo que a mãe fumava maconha quando tinha 13 anos. "Eu via, mas não sabia o que era. Um dia, ela alugou um documentário sobre drogas, para mostrar que aquilo era perigoso e que a vida dela não era assim. Disse que, se eu ou meu irmão quiséssemos experimentar, a primeira pessoa a saber devia ser ela. Eu era muito criança, não entendi nada", lembra. Mais tarde, ela acabou experimentando, mas nunca gostou. "Sou careta por vocação."

Pais adolescentes
De acordo com as psicólogas Alessandra Nagamine Bonadio e Andréa Costa Dias, do Ambulatório de Maconha da Unifesp, aquela história de que a pessoa que fuma muita maconha queima seus neurônios é mito. No entanto, estudos recentes indicam que os usuários ficam com a capacidade de concentração e a memória prejudicadas, além de enfrentar a chamada síndrome amotivacional. "As pessoas que fumam maconha tendem a ser mais estagnadas, a deixar tudo para fazer no outro dia. Deixam a casa desarrumada, por exemplo", diz Alessandra. "A maconha é como um freio de mão puxado. A pessoa vai, mas vai devagar", afirma Andréa.
Segundo elas, é muito comum encontrar pais que parecem adolescentes. "A hora da maconha vira o único momento em que eles podem estar só consigo mesmos, como se tivessem uma vida de solteiros, sem compromisso. E acabam restringindo sua vida social, seus hobbies. A maconha é a única fonte de prazer", diz Andréa.
Para Hélio*, 44, a maconha funciona como uma ponte com a juventude. "Acho que mantém o espírito rejuvenescido. É uma espécie de identificação com a geração jovem." Ele é pai de cinco filhos, de três casamentos diferentes. Os mais velhos, de 18 e 20 anos, não fumam, mas sabem de tudo. "A gente finge que fuma escondido, e eles fingem que não sentem o cheiro", explica. "Também preservamos a geração mais velha da família. Afinal, a gente vive em uma sociedade que tem outra cabeça."
Apesar de ser considerada uma droga leve, a maconha pode, sim, causar dependência. "Muitos fumam todo dia e falam que não são dependentes; dizem que é hábito", diz o psiquiatra André Malbergier, coordenador do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos do Álcool e Drogas da USP). Os sintomas da abstinência são irritabilidade, insônia, ansiedade, falta de apetite, dor de cabeça e fissura pela droga.


* Todos os nomes das pessoas entrevistadas nesta reportagem foram trocados por nomes fictícios


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