São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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Esculhambação brasileira assusta as bandas de fora

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

Eu gostaria de ter visto a banda de garagem americana Watts em São Paulo, na semana passada. O show estava confirmado, as referências eram boas, a noite estava ótima para sair e eu tinha tempo, companhia e grana (os três juntos, coisa rara). Só que não rolou. A apresentação foi cancelada por "problemas de produção". Eufemismo que significa, claro, bagunça e esculacho.
Foi o final ridículo de algo que já não começara bem. O plano inicial era ver outro show, o dos escoceses Mogwai, marcado para a mesma noite. Só que o Mogwai entraria no palco pontualmente às 21h, ainda no meu horário de trabalho. Meu amigo trouxe a solução: "Então vamos ver esses Watts. Eles são da Estrus [veneranda gravadora de rock de garagem dos EUA", e dois caras tocavam no Monomen. Vai ser muito mais legal". Concordei. Teria escolhido Watts de cara, se soubesse que ia tocar aqui (a divulgação foi nula).
Primeiro passo: descobrir a que horas começaria o show. Vamos ver na filipeta que chegou por e-mail... não tem horário. Bom, o negócio é ligar. Só que o folheto também não informa telefone. O último recurso é olhar no site da casa de shows -que está desatualizado. Procurando mais um pouco na internet, ei-lo: show do Watts. E com um telefone... celular. Ligamos. Show cancelado.
Parece roteiro de pastelão, mas aconteceu.
Admiro quem mete as caras e traz bandas estrangeiras para o Brasil. Ninguém da minha geração fez isso, já é um enorme avanço ver alguém se mexendo.
Mas todo esse voluntarismo não exime ninguém de culpa por má organização. E, infelizmente, sabemos de muitas histórias recentes de grupos que vêm ao Brasil, na maior boa vontade, e quebram a cara.
O vocalista dos ultrapunks Millions of Dead Cops, por exemplo, pegou pneumonia porque, em um show no Sul, a acomodação oferecida foi o chão de um acampamento de sem-terra. Isso depois de serem levados de kombi de São Paulo a Porto Alegre.
O Nebula, grupo respeitadíssimo lá fora, também se deu mal no Brasil, viajando do Centro-Oeste a São Paulo em uma van de cachorro-quente.
Todo roqueiro conhece histórias de bandas que começaram sem grana, fazendo turnês heróicas dentro de carros velhos e ganhando muito pouco. Mas há uma colossal diferença entre esses percalços normais e o desrespeito, a incapacidade de organização e a mais pura malandragem que reinam no Brasil.
Jovens promotores, entendam: o modo de vida brasileiro não tem paralelo no exterior. Quando um estrangeiro dos EUA ou da Europa baixa aqui, ele espera, pelo menos, planejamento e que se honrem compromissos. O "tudo bem", o "quebra-galho", nada disso é conhecido lá fora.
Portanto, se você prometeu, cumpra. Não engane, não enrole, não roube. Pode ser normal no Brasil, mas gringo não tolera. Nós, do público, queremos ver bandas boas. Mas, desse jeito, daqui a pouco ninguém mais vai topar vir ao Brasil.

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