São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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COMPORTAMENTO

Moda é dureza

JOVENS GASTAM TODO O SALÁRIO EM CELULARES E ROUPAS; FALTA DE PERSPECTIVA MOTIVA CONSUMO DOS MAIS POBRES, DIZEM ESTUDIOSOS

Marcelo Justo/Folha Imagem
O mecânico Alexander (à esq.), com seu tênis de R$ 600, e Rafael, que vai trabalhar para comprar roupas


CHICO FELITTI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sou pobre, mas tô na moda!", gaba-se a auxiliar de enfermagem Ana Garcia, 19.
Ela rala para isso -diz gastar todo seu salário de R$ 700 com roupas "de marca".
A garota não cogita se graduar em breve. Seus pais não podem pagar uma faculdade particular, ela acha que não consegue entrar em uma pública e não quer cortar gastos. "É do que preciso agora."
A urgência de Ana ecoa pesquisa de 2008 do Datafolha, feita com 1.541 brasileiros de 16 a 25 anos: 22% dos jovens com renda familiar (soma do que ganham todas as pessoas da casa) de até dois salários mínimos (R$ 930) dizem achar muito importante estar na moda.
"Ter é uma preocupação central para esses jovens. Eles se sentem inseguros no convívio, pois não agem como os mais ricos e tampouco têm as chances deles na vida", explica Paula Nascimento, socióloga da USP.
Paula fez seu mestrado acompanhando o comportamento de consumo de 200 teens com renda familiar média de dois salários mínimos, em uma entidade assistencial espírita na zona oeste de SP.
"Os jovens tinham roupas e celulares que não condiziam com sua situação financeira e procuravam qualquer trabalho para comprá-los", conta.
Rafael Ramos, 19, está prestes a entrar no mercado de trabalho. Aceitou o "trampo" como soldador no bairro paulistano Vila Formosa pelo salário de R$ 700. "Tô precisando comprar umas roupas da Hurley e da Billabong pra mim."
O futuro operário diz que o primo Alexander da Silva, 19, influenciou sua escolha. Alexander, que parou de estudar na oitava série, gasta dez horas por dia em uma oficina mecânica. Mas, quando tira o macacão, fica na estica. O tênis Oakley, que nunca viu graxa, custou os R$ 600 que ganha em um mês.
"Pior é que valeu a pena", diz Alexander, para logo justificar:
"É bom ter uns "trapos" bons, que eu não podia ter antes. Mostra minha mudança".

De ajudante a ajudada
Faz um ano que Karoline Dicena, 15, corta, pinta e escova cabelos no salão de beleza no térreo da sua casa, na Vila Carrão (zona leste de São Paulo).
Logo que pegou o primeiro contracheque, já o gastou, inteiro, numa loja de celulares.
"A sensação foi ótima! Fiquei surpresa comigo." Foi-se o primeiro mês e, com ele, a saciedade com o aparelho. Hoje, Karoline tem três celulares de ponta. Todos são pré-pagos.
Mas ela fala tanto ao telefone? "Ah, não uso os três, mas gosto muito deles." E por que continua a montar uma central telefônica? "Sei que preciso economizar para os estudos, e vou passar a fazer isso em breve, mas é muito difícil resistir à vontade, que tá sempre ali."
Essa vontade espreita ricos, pobres, jovens e velhos, diz a antropóloga Cecília Fornazieri, da Faculdade Santa Marcelina.
A mesma pesquisa Datafolha aponta que 17% dos teens cuja família ganha até cinco salários (R$ 2.325) por mês acham moda muito importante. O número é igual (17%) entre os mais ricos, com renda familiar superior a dez salários (R$ 4.650).
A diferença, para a professora Cecília, é que os mais pobres têm mais vontade de fingir ser o que não são. "Moda é aspiração, é querer se fantasiar pontualmente de quem se admira."
A duas casas de distância do salão de beleza de Karoline, a filha única Thifani Melo, 15, ajuda a mãe no seu trabalho de fazer forminhas para doces.
Ou ajudava. Hoje em dia, a relação se inverteu. Os R$ 120 que Thifani ganha pelas tardes trabalhadas têm de receber complemento materno para cobrir as parcelas do celular (R$ 685) e das joias de prata (R$ 600, o conjunto de pulseira, colar e bracelete).
Por mais que se diga arrependida de gastar tanto, e de às vezes seguir as amigas nas aquisições caras, Thifani é direta: "Seria menos feliz sem comprar".


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