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COMPORTAMENTO
Moda é dureza
JOVENS GASTAM TODO O SALÁRIO EM CELULARES E ROUPAS; FALTA DE PERSPECTIVA MOTIVA CONSUMO DOS MAIS POBRES, DIZEM ESTUDIOSOS
Marcelo Justo/Folha Imagem
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O mecânico Alexander (à esq.), com seu tênis de R$ 600, e Rafael, que vai trabalhar para comprar roupas |
CHICO FELITTI
DA REPORTAGEM LOCAL
"Sou pobre, mas
tô na moda!",
gaba-se a auxiliar de enfermagem Ana Garcia, 19.
Ela rala para isso -diz gastar
todo seu salário de R$ 700 com
roupas "de marca".
A garota não cogita se graduar em breve. Seus pais não
podem pagar uma faculdade
particular, ela acha que não
consegue entrar em uma pública e não quer cortar gastos. "É
do que preciso agora."
A urgência de Ana ecoa pesquisa de 2008 do Datafolha, feita com 1.541 brasileiros de 16 a
25 anos: 22% dos jovens com
renda familiar (soma do que ganham todas as pessoas da casa)
de até dois salários mínimos
(R$ 930) dizem achar muito
importante estar na moda.
"Ter é uma preocupação central para esses jovens. Eles se
sentem inseguros no convívio,
pois não agem como os mais ricos e tampouco têm as chances
deles na vida", explica Paula
Nascimento, socióloga da USP.
Paula fez seu mestrado
acompanhando o comportamento de consumo de 200
teens com renda familiar média de dois salários mínimos,
em uma entidade assistencial
espírita na zona oeste de SP.
"Os jovens tinham roupas e
celulares que não condiziam
com sua situação financeira e
procuravam qualquer trabalho
para comprá-los", conta.
Rafael Ramos, 19, está prestes a entrar no mercado de trabalho. Aceitou o "trampo" como soldador no bairro paulistano Vila Formosa pelo salário de
R$ 700. "Tô precisando comprar umas roupas da Hurley e
da Billabong pra mim."
O futuro operário diz que o
primo Alexander da Silva, 19,
influenciou sua escolha. Alexander, que parou de estudar
na oitava série, gasta dez horas
por dia em uma oficina mecânica. Mas, quando tira o macacão,
fica na estica. O tênis Oakley,
que nunca viu graxa, custou os
R$ 600 que ganha em um mês.
"Pior é que valeu a pena", diz
Alexander, para logo justificar:
"É bom ter uns "trapos" bons, que
eu não podia ter antes. Mostra
minha mudança".
De ajudante a ajudada
Faz um ano que Karoline Dicena, 15, corta, pinta e escova
cabelos no salão de beleza no
térreo da sua casa, na Vila Carrão (zona leste de São Paulo).
Logo que pegou o primeiro
contracheque, já o gastou, inteiro, numa loja de celulares.
"A sensação foi ótima! Fiquei
surpresa comigo." Foi-se o primeiro mês e, com ele, a saciedade com o aparelho. Hoje, Karoline tem três celulares de
ponta. Todos são pré-pagos.
Mas ela fala tanto ao telefone? "Ah, não uso os três, mas
gosto muito deles." E por que
continua a montar uma central
telefônica? "Sei que preciso
economizar para os estudos, e
vou passar a fazer isso em breve, mas é muito difícil resistir à
vontade, que tá sempre ali."
Essa vontade espreita ricos,
pobres, jovens e velhos, diz a
antropóloga Cecília Fornazieri,
da Faculdade Santa Marcelina.
A mesma pesquisa Datafolha
aponta que 17% dos teens cuja
família ganha até cinco salários
(R$ 2.325) por mês acham moda muito importante. O número é igual (17%) entre os mais
ricos, com renda familiar superior a dez salários (R$ 4.650).
A diferença, para a professora Cecília, é que os mais pobres
têm mais vontade de fingir ser
o que não são. "Moda é aspiração, é querer se fantasiar pontualmente de quem se admira."
A duas casas de distância do
salão de beleza de Karoline, a
filha única Thifani Melo, 15,
ajuda a mãe no seu trabalho de
fazer forminhas para doces.
Ou ajudava. Hoje em dia, a
relação se inverteu. Os R$ 120
que Thifani ganha pelas tardes
trabalhadas têm de receber
complemento materno para
cobrir as parcelas do celular
(R$ 685) e das joias de prata
(R$ 600, o conjunto de pulseira, colar e bracelete).
Por mais que se diga arrependida de gastar tanto, e de às
vezes seguir as amigas nas
aquisições caras, Thifani é direta: "Seria menos feliz sem
comprar".
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