São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005

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MUNDO

O Folhateen conversou com alguns dos jovens que causaram tumulto na França nas últimas semanas; saiba como eles são

Capitães da fumaça

FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

No último dia 27 de outubro, Bouna Traore, 15, e Zyed Benna, 17, achavam que estavam sendo perseguidos pela polícia e se esconderam numa central de energia em um subúrbio de Paris. Morreram eletrocutados. Outros jovens usaram o episódio para se vingar do que reclamam sofrer há tempos nas periferias francesas: repressão policial, discriminação, preconceito, desemprego.
Passaram a tocar fogo em tudo, principalmente em carros. Estava formada a maior revolta social dos últimos 40 anos no país que diz ser o berço da democracia moderna. Na linha de frente do conflito, garotos. A revolta dos incendiários franceses, que espalhou pelo mundo imagens chocantes de línguas de fogo consumindo automóveis e prédios é uma guerra "teen".
Durante uma semana, a Folha percorreu várias cidades da periferia de Paris e conversou com dezenas de incendiários. Há muitos com 14 anos, a maioria está entre 16 e 18, dificilmente têm mais de 20. Assim como Bouna, com origens no Mali, e Zyed, de ascendência tunisiana, a maior parcela dos revoltosos nasceu na França e tem como pais ou avós imigrantes do norte da África.
São quase todos muçulmanos, embora seja equivocado relacionar os distúrbios a motivos religiosos. Também não parece certeiro ver neles motivação política.
Versão incendiária dos "Capitães da Areia", do clássico de Jorge Amado, adolescentes rebeldes que usavam o crime como componente libertário, os garotos franceses não parecem portadores de uma mensagem engajada. Queimar carros e quebrar lojas é a expressão de sua independência. E de sua ira contra um inimigo definido.
Derrubar Nicolas Sarkozy, ministro do Interior francês que adotou uma política linha-dura de combate ao crime nas periferias é o objetivo-desafio da molecada.
Negros ou de traços árabes, costumam olhar um intruso com cara de malvados. Mas basta uma aproximação, um tratamento respeitoso, para que um diálogo tranqüilo se estabeleça.
Uns chegaram a contar onde compraram gasolina, como prepararam os coquetéis molotov que atiraram nos carros na noite anterior. Esses normalmente dão os seus nomes completos e não têm um pingo de medo de falar dos crimes que cometem. Relatam que são traficantes ou que simplesmente consomem drogas.
Mas há muitos que se recusam a dar nome, ou os que, como astros da cultura hip hop que admiram, dão apenas um apelido.
A paixão pelo gangsta rap fica nítida nas roupas que vestem (calças largonas, bonés, abrigos esportivos com capuz, tênis) e na atitude (gestos com as mãos, caras de durões). Alguns usam dreadlocks no cabelo. Brincos e colares são comuns.
Sem ideologia, sem um líder, sem aviso prévio, queimaram quase 10 mil carros em pouco mais de duas semanas. Levaram o governo da França a adotar o estado de emergência, medida extrema que amplia o poder da polícia e limita as liberdades civis. E têm menos de 20 anos.


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