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MUNDO
O Folhateen conversou com alguns dos jovens que causaram
tumulto na França nas últimas semanas; saiba como eles são
Capitães da fumaça
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
No último dia 27 de outubro, Bouna
Traore, 15, e Zyed Benna, 17, achavam que estavam sendo perseguidos pela polícia e se esconderam numa central de energia em um subúrbio de Paris.
Morreram eletrocutados. Outros jovens
usaram o episódio para se vingar do que reclamam sofrer há tempos nas periferias
francesas: repressão policial, discriminação, preconceito, desemprego.
Passaram a tocar fogo em tudo, principalmente em carros. Estava formada a
maior revolta social dos últimos 40 anos no
país que diz ser o berço da democracia moderna. Na linha de frente do conflito, garotos. A revolta dos incendiários franceses,
que espalhou pelo mundo imagens chocantes de línguas de fogo consumindo automóveis e prédios é uma guerra "teen".
Durante uma semana, a Folha percorreu
várias cidades da periferia de Paris e conversou com dezenas de incendiários. Há
muitos com 14 anos, a maioria está entre 16
e 18, dificilmente têm mais de 20. Assim como Bouna, com origens no Mali, e Zyed, de
ascendência tunisiana, a maior parcela dos
revoltosos nasceu na França e tem como
pais ou avós imigrantes do norte da África.
São quase todos muçulmanos, embora
seja equivocado relacionar os distúrbios a
motivos religiosos. Também não parece
certeiro ver neles motivação política.
Versão incendiária dos "Capitães da
Areia", do clássico de Jorge Amado, adolescentes rebeldes que usavam o crime como
componente libertário, os garotos franceses não parecem portadores de uma mensagem engajada. Queimar carros e quebrar
lojas é a expressão de sua independência. E
de sua ira contra um inimigo definido.
Derrubar Nicolas Sarkozy, ministro do
Interior francês que adotou uma política linha-dura de combate ao crime nas periferias é o objetivo-desafio da molecada.
Negros ou de traços árabes, costumam
olhar um intruso com cara de malvados.
Mas basta uma aproximação, um tratamento respeitoso, para que um diálogo
tranqüilo se estabeleça.
Uns chegaram a contar onde compraram
gasolina, como prepararam os coquetéis
molotov que atiraram nos carros na noite
anterior. Esses normalmente dão os seus
nomes completos e não têm um pingo de
medo de falar dos crimes que cometem.
Relatam que são traficantes ou que simplesmente consomem drogas.
Mas há muitos que se recusam a dar nome, ou os que, como astros da cultura hip
hop que admiram, dão apenas um apelido.
A paixão pelo gangsta rap fica nítida nas
roupas que vestem (calças largonas, bonés,
abrigos esportivos com capuz, tênis) e na
atitude (gestos com as mãos, caras de durões). Alguns usam dreadlocks no cabelo.
Brincos e colares são comuns.
Sem ideologia, sem um líder, sem aviso
prévio, queimaram quase 10 mil carros em
pouco mais de duas semanas. Levaram o
governo da França a adotar o estado de
emergência, medida extrema que amplia o
poder da polícia e limita as liberdades civis.
E têm menos de 20 anos.
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