São Paulo, segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

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comportamento

Adolescentes tiram pensadores do sério

Estudiosos da cultura brasileira criticam jovens que preferem a indústria estrangeira às produções nacionais

DA REPORTAGEM LOCAL

Demorou, mas Bárbara Vieira, 14, já se acostumou a enfrentar baladas regadas a MPB.
"Quando eu era menor, era mais difícil suportar", diz e abre fogo: "Rolling Stones, que é legal, não toca. Não é só porque é daqui que precisa ficar tocando. As pessoas nem conhecem a MPB. A Pitty nunca fez rock; Calypso é o maior sucesso nos EUA, e daí? Não é porque é brasileiro que a gente tem que valorizar mais", defende.
"Eles não sabem o que estão perdendo", afirma o sociólogo pernambucano Chico de Oliveira, sobre o descaso de muitos adolescentes em relação à cultura e à música nacionais.
"Tom Jobim é um dos grandes músicos mundiais. É um músico de categoria mundial, assim como Chico Buarque e Caetano Veloso. Portanto eles não sabem o que estão perdendo ao rejeitar uma contribuição musical dessa estirpe. Não tem que fechar os olhos a outras influências", diz Chico.
"Caetano Veloso é uma coisa que não desce. Quando era pequena achava um saco", conta a jovem Bárbara. "Caetano não desce?", questiona o sociólogo.
"Isso é uma bobagem imensa. Caetano é um grande músico, que tenta até fazer incursões por outras vias musicais, como em seu último show, claramente influenciado pelo rock'n'roll. Ele vê no rock uma contribuição à cultura mundial e não quer ficar fora. Esses jovens estão exagerando no hambúrguer e na Coca-Cola."
A estudante gaúcha de administração de empresas Bruna Gil, 20, simplesmente não consegue gostar de MPB. "Nem de samba nem de axé nem forró nem de pagode, mas o fato de eu não gostar não impede que seja bom. Como um todo, acho que essas músicas são ruins já na origem: o samba."
O sociólogo Chico de Oliveira sai do sério: "Renegar a música brasileira é renegar outras influências musicais e culturais. Quem faz isso está dando um tiro no próprio pé. É o avesso da cultura. Cultura é intercâmbio, influência; não é livro embaixo do braço."
Bruna gosta apenas de bandas desconhecidas, "que estão bombando em Londres". Isso não é nada bom, segundo Luiz Roncari, professor de literatura brasileira da Universidade de São Paulo (USP).
"Se no mundo inteiro, seja nos EUA, seja na França, valoriza-se a própria cultura, isso deve ter alguma razão, ou o mundo inteiro está errado e nós, certos. Então, acho que isso se dá em grande razão por descaso da educação e dos próprios órgãos de formação de opinião, que têm a cabeça colonizada. Nós somos, nesse caso, singulares. A cultura é a crítica do país", explica o acadêmico.
"Aonde você vai no mundo, seja Europa ou América Latina, a cultura nacional é muito valorizada, porque é através da cultura nacional que você pode criar identificações. Em todo lugar se valoriza muito a cultura local", diz Roncari. (LF)

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