São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

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Programas tentam combater o preconceito contra homossexuais

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

A primeira coisa que vem à cabeça quando se pensa em um jovem é a imagem de uma pessoa liberal, aberta para o novo, que quer quebrar tabus e enterrar preconceitos, certo? Nem tanto. Uma pesquisa da Unesco divulgada há duas semanas mostrou que o número de jovens que expressam pensamentos preconceituosos é muito maior do que se supunha, pelo menos em relação à homossexualidade.
De acordo com o estudo, que ouviu 16.422 estudantes do ensino fundamental e médio de 14 cidades do país, aproximadamente 25% dos entrevistados disseram que não gostariam de ter um colega de classe homossexual -entre os meninos, são quase 40%. Esse percentual chega a 31% em Fortaleza, representando um universo de 112.477 jovens.
"Eu não concordo com a homossexualidade, acho que o homem foi feito para a mulher, e a mulher foi feita para o homem. Mas eu respeito quem é homossexual e acho que eles têm mesmo que lutar pelos seus direitos", diz a estudante Fernanda Reis, 22, que é evangélica. "Eu já vi dois homens se beijando e andando de mãos dadas no meio da rua e achei muito estranho. Mas acho que quem é gay tem mesmo que assumir."
Fernanda e o webmaster Erik Galdino, 20, estão em campos opostos, mas, em encontro promovido pelo Folhateen, conversaram tranqüilamente. "Não compartilho da posição dela, mas, pelo menos, ela é mais razoável do que muita gente", diz Erik.
Erik, gay assumido, é militante da causa. Já organizou eventos GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) em São Paulo e participa de um projeto chamado ArmárioX (www.armariox.com.br), que dá apoio a homossexuais que estão "saindo do armário" (se assumindo). "O que mais gostaria é que não precisasse haver uma Parada Gay com 1 milhão de pessoas para mostrar que isso é normal e existe em todas as classes sociais", afirma.
Para que os jovens aprendam a conviver com a diferença e aceitá-la, muitos grupos desenvolvem trabalhos em escolas, por meio de oficinas com professores, onde se discute a melhor forma de tratar a questão em sala de aula.
"A homossexualidade sempre foi um dos temas mais difíceis de trabalhar. Os professores, muitas vezes, ficam perdidos", diz o psicólogo e sociólogo Antonio Carlos Egypto, coordenador do GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual), que desenvolve há um ano um projeto de discussão de sexualidade na rede municipal de ensino de São Paulo e já capacitou mais de 700 educadores.
Segundo ele, que trabalha na área desde os anos 70, o preconceito já foi maior entre jovens. "Ainda não está tudo bem, mas já foi muito pior."
Egypto acredita que os adolescentes que estão começando a afirmar a sua sexualidade se sentem ameaçados pela presença de quem tem um desejo diferente. "Fica aquela fantasia de que, só porque um menino é gay, vai atacar os outros meninos, por exemplo. Como se os heterossexuais também fossem sair por aí atacando os outros", compara.
Mas a proximidade, segundo ele, ajuda a derrubar esse estereótipo. "Quando existe um convívio e esse assunto é discutido, as pessoas respeitam muito mais. Se o professor é competente, pode ajudar bastante. É comum um aluno homossexual ser mais discriminado por estudantes de outras classes do que pelos seus colegas, que acabam vendo que isso não é um bicho de sete cabeças."
O Grupo Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor), de São Paulo, também desenvolveu um projeto por dois anos nas escolas municipais de São Paulo para tratar especificamente a questão da homossexualidade. O convênio com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, que bancava o projeto, terminou no final do ano passado e não foi renovado.
"Os alunos expressam esse preconceito não por uma característica individual, mas porque ele está na sociedade. A fronteira entre o masculino e o feminino é muito forte na escola", diz Lula Ramires, presidente do Grupo Corsa.
"Se um menino quer brincar com uma boneca na escola, e uma menina quer um carrinho, isso ainda é visto como transgressão. Alguns professores tratam isso com violência, outros, com sutileza, retiram o brinquedo. Apenas uma pequena parcela entende que isso não tem nada a ver. O menino pode estar se preparando para ser pai, e a menina, para dirigir o seu carro", diz Ramires.
Há dois anos, um lote de 3.000 fitas de um vídeo mostrando a história de um garoto flagrado pelos colegas beijando outro rapaz foi distribuído nas 89 Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo. O vídeo "Pra que Time Ele Joga" foi produzido pela Secretaria da Saúde em parceria com a Coordenação Nacional de Aids e várias ONGs.
De acordo com a Secretaria da Educação, cada escola decide a forma como trabalha o assunto. Algumas organizam debates, outras propõem uma redação após a exibição do vídeo.
Para Márcia Regina Giovanetti, técnica da Coordenação Estadual de DST-Aids que participou da produção do vídeo, seria preciso trabalhar com estudantes cada vez mais novos para evitar que os preconceitos surjam e se cristalizem. "Com os adolescentes, já é um pouco tarde. Mas não adianta bater de frente, é uma questão processual. Por enquanto estamos em um trabalho de desconstruir preconceitos entre os profissionais. É um caminho longo e só com o passar do tempo vamos ter gerações cada vez mais arejadas." É o que se espera.


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