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Livro
Livro de cartas de J.R.R. Tolkien revela um autor
visionário: amante da natureza e desconfiado da globalização
O senhor da fantasia
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
O
ano era 1972, e
John Ronald Reuel
(ou J.R.R.) Tolkien
estava completamente enrolado
com a sua carreira literária. Seu
livro "O Senhor dos Anéis" era
um fenômeno de vendas, e os
leitores clamavam por mais fazia anos. Mas ele arrumou um
tempinho para responder a
carta de uma fã que pedia nomes em alto-élfico (uma das
línguas inventadas por Tolkien) para os touros de sua fazenda. "A palavra para touro,
introduzida na forma "-mund",
produz nomes como Tarmund
(touro nobre), Rasmund (touro
chifrudo), Turcomund (chefe
de touros). O que acha?"
A historinha é só um dos vislumbres engraçados, interessantes ou até comoventes da vida do autor em "As Cartas de
J.R.R. Tolkien", coletânea da
correspondência tolkieniana
que acaba de ser lançada no
Brasil. O material do livro foi
organizado pelo biógrafo
Humphrey Carpenter e pelo filho caçula do escritor, Christopher -aliás, destinatário de
uma série monumental de cartas paternas quando lutava na
Segunda Guerra Mundial.
A certa altura do campeonato, com dores no braço, Tolkien
confessa: "Percebi que não ser
capaz de usar uma caneta ou
um lápis é para mim tão frustrante quanto seria a perda do
bico para um galinha".
O livro mostra que ele não estava de brincadeira: quase não
há aspecto da vida e do mundo
do autor que não seja discutido.
O mais impressionante é a
atualidade dos comentários sobre coisas como a degradação
ambiental, o lado perverso dos
primórdios da globalização e os
perigos da tecnologia.
Para os fãs, porém, nada é
mais fascinante do que dar uma
espiadinha por cima dos ombros do autor enquanto ele escreve os principais clássicos da
literatura de fantasia do século
20, briga para conseguir publicá-los e discute com amigos e
leitores o significado do seu
megalomaníaco mundo ficcional. "É o único livro em que o
próprio Tolkien explica a Terra-média. Nele é possível descobrir como a mente de Tolkien trabalhava para criar seu
universo", diz Thiago Marés,
editor da versão brasileira.
Primeiro choque para os fãs
de hoje, muitos dos quais simpatizam com o "revival" das
religiões pagãs: Tolkien deixa
claro que ""O Senhor dos
Anéis" é uma obra fundamentalmente religiosa e católica; inconscientemente
no início, mas conscientemente na revisão". Ele explica que quis gerar seu próprio mito da criação -no
qual Eru Ilúvatar, "o Único,
Pai de Todos", é o equivalente do Deus cristão.
Os mais desavisados às
vezes atribuem idéias racistas à obra tolkieniana (na
trama, os povos do sul e do
leste da Terra-média são os
vilões), mas as cartas definitivamente enterram
isso. "Acho que nada tem mais
valor do que os ataques dele à
intolerância racial e ao nazismo", diz Gabriel Brum, tradutor do livro e estudioso da obra.
Um sujeito que criou umas
nove línguas ficcionais obviamente valorizava a diversidade
cultural; portanto, não é de surpreender que ele ataque a pasteurização de culturas que a
globalização já trazia. "O horror do mundo atual é que toda a
maldita coisa está num mesmo
saco. Não há para onde fugir.
Pelo menos as viagens deverão
ser reduzidas. Não haverá lugar para ir",
ironiza Tolkien.
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