São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2007

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Comportamento

Duro de Roer

Alex Almeida/Folha Imagem
Roberta Fraga, 17, Carlos Lopes, 17, e Camila Torres, 17, imitam os gestos do capitão Nascimento, de "Tropa de Elite"


Filme "Tropa de Elite é a febre do ano: jovens incorporam as gírias e se identificam com o protagonista; crianças reproduzem cenas de tortura na escola

LUISA BELCHIOR
DA SUCURSAL DO RIO
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com sua farda preta, cara de mau e métodos violentos, o capitão Nascimento, protagonista do filme "Tropa de Elite", se transformou no novo herói nacional.
Na internet, nas salas de aula e nas ruas, as gírias e os gestos do personagem vivido por Wagner Moura e de seus "aspiras" caíram no gosto dos teens.
Termos como "zero um" e "pede pra sair" já fazem parte do vocabulário, principalmente das turmas do ensino médio.
O filme estreou nos cinemas no dia 5, em São Paulo e no Rio, e, há dez dias, no resto do país. Teve público de 1.050.000 até sexta passada. Mas já havia sido visto por muita gente em cópias piratas. Uma pesquisa Datafolha apontou que 19% dos paulistanos assistiram à "Tropa" antes da estréia oficial.
A mania invadiu primeiro o Rio de Janeiro, cidade onde se passa o filme. "Um aluno viu e foi falando pro outro, que falou pro outro, pro outro...", conta a estudante Juliana Rey, 17, do terceiro ano do ensino médio do colégio Dínamis, no bairro do Botafogo. "Se alguém fala besteira, a gente diz que é um fanfarrão", completa a estudante, citando uma fala do capitão Nascimento.
A febre já chegou a São Paulo. No tradicional Colégio Bandeirantes, a música-tema do filme, do Tihuana, virou grito de guerra na competição esportiva da escola. Em vez de "Tropa de Elite/ Osso Duro de Roer etc", eles entoam "3H3/Osso Duro de Roer etc", em referência ao nome da sala, que foi campeã.
"Todo mundo pegou as falas. Quando alguém diz algo idiota na classe, a gente grita: "Pede pra sair!'", diz a aluna Mariana Novaes, 17, que viu o filme numa sessão fechada para estudantes da escola.
Entre os alunos da Escola Estadual Antonio Cândido Correa Guimarães Filho, o hit foi a cópia pirata. Eles trocaram os DVDs e incorporaram as gírias.
"Quando alguém me zoa, eu solto um "aqui é faca na caveira", para mostrar que eu tenho atitude. É essa a imagem que eles passam no filme", diz Átila Tintino, 18, do terceiro ano.

Identificação
Para Roberta Fraga, 17, colega de classe de Átila, as gírias pegaram porque o público se identificou com o filme. "Agora todo mundo quer ser o capitão Nascimento", comenta.
Para os jovens, o fato de o personagem ser "incorruptível", "corajoso", "entrar na favela usando estratégia" e "ser violento apenas contra criminosos" faz dele um herói.
"Mesmo às vésperas do nascimento do filho, ele se arrisca na favela. Ele abre mão da família pelo bem da sociedade", acredita Roberta.
"Ele não é aquele herói de desenho animado. É um herói atual, que não é maniqueísta... Não é o Bem em pessoa, é humano. Ele faz o que pode, da melhor maneira possível, tenta não se corromper e proteger o que ele acha importante. Isso para mim é um herói", diz Laiz Souza, 18, aluna do Bandeirantes, que assistiu primeiro à cópia pirata e depois foi ao cinema com os colegas de classe.
A truculência de Nascimento, que tortura e executa pessoas ligadas ao tráfico, não diminui a admiração dos estudantes.
"Só o torna mais humano, mais real. Porque é isso que acontece. Se você falar que não, que é tudo na base da conversa, é mentira", resume Laiz.
"Torturar é errado. Mas, pelo que o filme mostra, é o único jeito de achar os bandidos", opina Carlos Lopes, 17, colega de classe de Átila e de Roberta.
No geral, a violência não chocou os estudantes. "Todo mundo ficava dizendo que o filme era muito pesado. Mas ele só mostra a realidade. A realidade é que é violenta", diz Camila Torres, 17, que baixou o filme na internet e depois foi conferir no cinema.

Reunião de pais
Não foram apenas os adolescentes que entraram na moda do filme. No colégio ADN, na Tijuca, zona norte do Rio, o tema tomou uma forma considerada perigosa pela direção: na hora do recreio, alunos na faixa dos dez anos estavam reproduzindo cenas de tortura mostradas no filme, cuja censura no cinema é 16 anos.
Preocupado com os rumos do modismo, o diretor Paulo Peres convocou uma reunião com os pais das crianças para discutir a questão, que, para ele, revela um complexo problema de violência escolar.
"[A reprodução das cenas de tortura] surgiu numa turma de crianças e está se refletindo em todo o colégio. Mas é só o efeito de uma coisa muito mais séria, a violência escolar, que existe há décadas. A violência oculta na escola é muito perigosa e é um problema que existe desde o jardim de infância e atinge até as universidades", afirma.
Para evitar que a mania atravesse o limite da brincadeira, o próprio colégio deve intervir, na opinião do professor de geografia do colégio Mopi, na Tijuca, Rio, Márcio Francellino. Ele acha que, quanto mais liberdade para os alunos falarem sobre o tema, melhor.
"Qualquer expressão artística e vinda da sociedade é positiva desde que haja reflexão. O "Tropa de Elite" tem um aspecto positivo por colocar em voga discussões veladas, como o uso da violência, a corrupção na polícia e a contribuição da classe média para isso. E é papel fundamental do colégio abrir espaço para temas como esses", diz o educador.

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