|
Próximo Texto | Índice
Comportamento
Duro de Roer
Alex Almeida/Folha Imagem
|
Roberta Fraga, 17, Carlos Lopes, 17, e Camila Torres, 17, imitam os gestos do capitão Nascimento, de "Tropa de Elite" |
Filme "Tropa de Elite é a febre do ano: jovens incorporam as gírias e se
identificam com o protagonista; crianças reproduzem cenas de tortura na escola
LUISA BELCHIOR
DA SUCURSAL DO RIO
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Com sua farda preta,
cara de mau e métodos violentos, o capitão Nascimento,
protagonista do filme "Tropa de Elite", se transformou no novo herói nacional.
Na internet, nas salas de aula
e nas ruas, as gírias e os gestos
do personagem vivido por
Wagner Moura e de seus "aspiras" caíram no gosto dos teens.
Termos como "zero um" e
"pede pra sair" já fazem parte do
vocabulário, principalmente
das turmas do ensino médio.
O filme estreou nos cinemas
no dia 5, em São Paulo e no Rio,
e, há dez dias, no resto do país.
Teve público de 1.050.000 até
sexta passada. Mas já havia sido
visto por muita gente em cópias piratas. Uma pesquisa Datafolha apontou que 19% dos
paulistanos assistiram à "Tropa" antes da estréia oficial.
A mania invadiu primeiro o
Rio de Janeiro, cidade onde se
passa o filme. "Um aluno viu e
foi falando pro outro, que falou
pro outro, pro outro...", conta a
estudante Juliana Rey, 17, do
terceiro ano do ensino médio
do colégio Dínamis, no bairro
do Botafogo. "Se alguém fala
besteira, a gente diz que é um
fanfarrão", completa a estudante, citando uma fala do capitão Nascimento.
A febre já chegou a São Paulo.
No tradicional Colégio Bandeirantes, a música-tema do filme,
do Tihuana, virou grito de guerra na competição esportiva da
escola. Em vez de "Tropa de
Elite/ Osso Duro de Roer etc",
eles entoam "3H3/Osso Duro
de Roer etc", em referência ao
nome da sala, que foi campeã.
"Todo mundo pegou as falas.
Quando alguém diz algo idiota
na classe, a gente grita: "Pede
pra sair!'", diz a aluna Mariana
Novaes, 17, que viu o filme numa sessão fechada para estudantes da escola.
Entre os alunos da Escola Estadual Antonio Cândido Correa Guimarães Filho, o hit foi a
cópia pirata. Eles trocaram os
DVDs e incorporaram as gírias.
"Quando alguém me zoa, eu
solto um "aqui é faca na caveira", para mostrar que eu tenho
atitude. É essa a imagem que
eles passam no filme", diz Átila
Tintino, 18, do terceiro ano.
Identificação
Para Roberta Fraga, 17, colega de classe de Átila, as gírias
pegaram porque o público se
identificou com o filme. "Agora
todo mundo quer ser o capitão
Nascimento", comenta.
Para os jovens, o fato de o
personagem ser "incorruptível", "corajoso", "entrar na favela usando estratégia" e "ser
violento apenas contra criminosos" faz dele um herói.
"Mesmo às vésperas do nascimento do filho, ele se arrisca
na favela. Ele abre mão da família pelo bem da sociedade",
acredita Roberta.
"Ele não é aquele herói de desenho animado. É um herói
atual, que não é maniqueísta...
Não é o Bem em pessoa, é humano. Ele faz o que pode, da
melhor maneira possível, tenta
não se corromper e proteger o
que ele acha importante. Isso
para mim é um herói", diz Laiz
Souza, 18, aluna do Bandeirantes, que assistiu primeiro à cópia pirata e depois foi ao cinema com os colegas de classe.
A truculência de Nascimento, que tortura e executa pessoas ligadas ao tráfico, não diminui a admiração dos estudantes.
"Só o torna mais humano,
mais real. Porque é isso que
acontece. Se você falar que não,
que é tudo na base da conversa,
é mentira", resume Laiz.
"Torturar é errado. Mas, pelo
que o filme mostra, é o único
jeito de achar os bandidos",
opina Carlos Lopes, 17, colega
de classe de Átila e de Roberta.
No geral, a violência não chocou os estudantes. "Todo mundo ficava dizendo que o filme
era muito pesado. Mas ele só
mostra a realidade. A realidade
é que é violenta", diz Camila
Torres, 17, que baixou o filme
na internet e depois foi conferir
no cinema.
Reunião de pais
Não foram apenas os adolescentes que entraram na moda
do filme. No colégio ADN, na
Tijuca, zona norte do Rio, o tema tomou uma forma considerada perigosa pela direção: na
hora do recreio, alunos na faixa
dos dez anos estavam reproduzindo cenas de tortura mostradas no filme, cuja censura no
cinema é 16 anos.
Preocupado com os rumos
do modismo, o diretor Paulo
Peres convocou uma reunião
com os pais das crianças para
discutir a questão, que, para
ele, revela um complexo problema de violência escolar.
"[A reprodução das cenas de
tortura] surgiu numa turma de
crianças e está se refletindo em
todo o colégio. Mas é só o efeito
de uma coisa muito mais séria,
a violência escolar, que existe
há décadas. A violência oculta
na escola é muito perigosa e é
um problema que existe desde
o jardim de infância e atinge até
as universidades", afirma.
Para evitar que a mania atravesse o limite da brincadeira, o
próprio colégio deve intervir,
na opinião do professor de geografia do colégio Mopi, na Tijuca, Rio, Márcio Francellino. Ele
acha que, quanto mais liberdade para os alunos falarem sobre
o tema, melhor.
"Qualquer expressão artística e vinda da sociedade é positiva desde que haja reflexão. O
"Tropa de Elite" tem um aspecto positivo por colocar em voga
discussões veladas, como o uso
da violência, a corrupção na polícia e a contribuição da classe
média para isso. E é papel fundamental do colégio abrir espaço para temas como esses", diz
o educador.
Próximo Texto: "Eu queria entrar para a Cruz Vermelha. Agora, quero ser do Bope" Índice
|