São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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COMPORTAMENTO

Minha casa é "legalize"

Conheça a história de pais e de filhos para quem fumar maconha é um ritual familiar

Leonardo Wen/Folha Imagem
Em família: mãe e filha fumam com amigos em comum

TARSO ARAUJO
DA REPORTAGEM LOCAL

"No começo, fumava maconha em casa, escondido, sabendo a hora em que minha mãe chegaria. Um dia, ela voltou cedo e me pegou desprevenido", conta Eduardo*, 23.
Na maioria das famílias, isso seria o início de uma crise. Não na de Eduardo.
"Ela percebeu e disse: "Deixa eu dar "um dois" também'", afirma, usando uma gíria comum para "fumar maconha".
Famílias como a dele, que fumam maconha juntas, não são tão difíceis de se encontrar. O Folhateen conversou com seis desses filhos e com seus pais.
Os jovens entrevistados começaram a fumar maconha fora de casa, na adolescência, com amigos da mesma idade. E todos sabiam que seus pais também usavam a droga quando se iniciaram.
O que muda de família para família é o tipo de influência dos pais sobre os jovens.
Marcela, 21, acha que começou mais tarde do que as amigas justamente por causa da mãe. Quando tinha 11 anos, ela teria uma aula sobre drogas na escola, e sua mãe resolveu se antecipar e abrir o jogo. Contou que fumava maconha e deu sua opinião sobre o assunto.
"Como era uma coisa natural para mim, não tinha curiosidade. Fui uma das últimas das minhas amigas a experimentar. A maioria delas começou na sétima série, e eu só no primeiro ano [do ensino médio]", diz.
Já Alice, que tem 21 e começou aos 16, acha que, se o pai não fumasse a erva, seu hábito poderia ter mudado. "Talvez estivesse parando, como algumas amigas."
Mas todos os jovens ouvidos pelo Folhateen afirmam que fumariam maconha mesmo sem a influência dos pais. "Minha curiosidade viria de qualquer maneira, tanto que não comecei com minha mãe", diz Luís, 24. Ele fumava com ela, que há pouco "desencanou".
"Fumaria do mesmo jeito, porque é uma coisa muito mais com os amigos do que com meus pais. Um quarto da minha turma de colégio fumava", diz Alex, 24, irmão de Alice.

Educação sobre drogas
Os pais dizem preferir que os filhos fumem em casa e com eles. Seus argumentos vão da segurança à redução de danos.
"Tenho certeza de que é melhor assim, porque aí sei o quanto e como meu filho fuma", diz a mãe de Luís. "E, se ele ficar dependente, é melhor ter na mãe um amigo."
Na família de Alice e de Alex, moradores do Rio de Janeiro, sempre houve preocupação com a segurança. "Até hoje pego maconha com meu pai. Ele sempre pediu para evitar pegar por conta própria. Isso me protegeu de situações perigosas, como subir morro", diz Alex.
Outra recomendação constante do pai é "não andar com "flagrante" e ter cuidado com os "homens'". O que não foi suficiente. "Já "rodei" na mão da polícia, indo à praia. Aí perdemos um dinheiro "de leve'".
Para o especialista em drogas Osvaldo Fernandez, antropólogo da Universidade do Estado da Bahia e professor visitante da Universidade Columbia (EUA), os argumentos dos pais fazem sentido, especialmente por tratar-se de droga ilegal.
"Muitas vezes a ilicitude leva à desinformação, então torna-se imprescindível um manual de sobrevivência com vistas à educação dos filhos. Pais que fumam com filhos podem ajudar a reforçar valores como moderação e autocontrole."

Amizade: causa ou efeito?
A psicóloga da USP Maria Abigail de Souza, especialista em tratamento de dependências químicas, reprova o costume. Para ela, isso causa uma confusão de papéis.
"Me dá a impressão de que esses pais querem dar uma de condescendentes para se aproximar dos filhos, talvez porque não tenham outra maneira. Saem da posição de pais e entram na de amigos. Mas adolescente precisa de um pai. Amigo ele tem bastante", diz.
Para as famílias entrevistadas, não é assim. "A gente se dá bem porque sempre se deu. Fumar junto é consequência da nossa amizade, e não o contrário", afirma Marcela, que diz fumar com a mãe socialmente, em festas ou ocasiões parecidas -elas não compram a droga.
O pai de Alex e de Alice tem opinião parecida. "Não é por fumar com eles que sou mais próximo." Alex explica: "O ambiente da família é que sempre foi de muito diálogo".
Médicos ouvidos pelo Folhateen reprovam que pais fumem maconha com seus filhos, por acreditar que isso cria um ambiente de risco para a saúde.
Juízes consultados pela reportagem dizem que o hábito pode até levar à perda da guarda de filhos menores de idade.
Mas todos os entrevistados ressaltam a importância de conversar abertamente sobre drogas com os filhos.
Para a mãe de Luís, o pior a fazer é ignorar o fato. "Fingir que não vê é hipocrisia. E reprimir não é saída. É beco."


* Todos os nomes são fictícios

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