São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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COMPORTAMENTO

Vida cigana

No Dia Nacional do Cigano, conheça a rotina de jovens que leem mãos, mas não entendem os livros

DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO

Luana Soares, 14, estende a mão a estranhos para lhes vender notícias do futuro. A garota, cigana, segue a profissão das mulheres de sua família: leitura da sorte.
Nas ruas, nem todos reagem bem. "Tem quem ache que é mentira!", diz a garota.
A vida que Luana leva foge à regra também em outros quesitos. Ela não tem RG nem endereço fixo. Frequentou a escola apenas por três meses. E, desde janeiro, está casada com o cigano Igor Soares, 14, seu primo.
Os dois moram em Embu, a 27 km de São Paulo, em um acampamento nômade. Ocupam uma das 14 barracas erguidas em chão de terra. Penduradas, panelas prateadas fazem as vezes de decoração, ao lado de panos coloridos.
O sustento da comunidade em que vivem Luana e Igor vem da leitura de mãos, feita pelas mulheres, e da camelotagem e criação de cavalos, a cargo dos homens do grupo.
"Não sinto falta de nada", diz Diego Soares, 15. O garoto passa o dia empinando pipa e quer se casar cedo, como manda o costume, mas ainda não tem pretendente. Está esperando a garota certa? "As mulheres têm que se casar virgens, os homens, não", diz. "Seria estranho, né?"
Daiane Soares, 19, nem se lembra quando foi que se casou. "Acho que faz uns seis anos", calcula. Mas é rápida para dizer quantos vestidos tem: dez, todos coloridos.

SORRISO AMARELO
Outro número de que os jovens no acampamento se lembram rápido é o de dentes de ouro: quase todos têm.
A boca de Carlos Soares, 19, tem 16 deles. Custaram cerca de R$ 2.000, no total.
Carlinhos, como é conhecido, nunca foi à escola, mas planeja começar a estudar. "Quero ler as placas e as coisas que estão nos livros", diz.
A escolaridade é uma das principais preocupações das autoridades no que diz respeito aos grupos ciganos.
"O jovem se muda muito e tem dificuldades para estudar", diz Perly Cipriano, subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do governo federal.
Já Nicolas Ramanush, presidente da ONG Embaixada Cigana, aponta outra dificuldade. "Quando conseguem se matricular na escola, são maltratados e não voltam."
Carlinhos confirma o preconceito. "Pensam que somos ladrões." Para se defender, recorre à língua dos ciganos, que funciona como código secreto (veja ao lado).
Não há informações oficiais a respeito de quantos brasileiros são ciganos hoje. Dados do IBGE apontam apenas que há acampamentos em 290 cidades do país. "Há quem fale em 300 mil, 400 mil indivíduos", afirma Perly Cipriano. "Mas não podemos afirmar com certeza."


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