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COMPORTAMENTO
Vida cigana
No Dia Nacional do Cigano, conheça a rotina de jovens que leem mãos, mas não entendem os livros
DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO
Luana Soares, 14, estende
a mão a estranhos para lhes
vender notícias do futuro. A
garota, cigana, segue a profissão das mulheres de sua
família: leitura da sorte.
Nas ruas, nem todos reagem bem. "Tem quem ache
que é mentira!", diz a garota.
A vida que Luana leva foge
à regra também em outros
quesitos. Ela não tem RG
nem endereço fixo. Frequentou a escola apenas por três
meses. E, desde janeiro, está
casada com o cigano Igor
Soares, 14, seu primo.
Os dois moram em Embu,
a 27 km de São Paulo, em um
acampamento nômade. Ocupam uma das 14 barracas erguidas em chão de terra. Penduradas, panelas prateadas
fazem as vezes de decoração,
ao lado de panos coloridos.
O sustento da comunidade
em que vivem Luana e Igor
vem da leitura de mãos, feita
pelas mulheres, e da camelotagem e criação de cavalos, a
cargo dos homens do grupo.
"Não sinto falta de nada",
diz Diego Soares, 15. O garoto
passa o dia empinando pipa
e quer se casar cedo, como
manda o costume, mas ainda
não tem pretendente. Está esperando a garota certa? "As
mulheres têm que se casar
virgens, os homens, não",
diz. "Seria estranho, né?"
Daiane Soares, 19, nem se
lembra quando foi que se casou. "Acho que faz uns seis
anos", calcula. Mas é rápida
para dizer quantos vestidos
tem: dez, todos coloridos.
SORRISO AMARELO
Outro número de que os jovens no acampamento se
lembram rápido é o de dentes
de ouro: quase todos têm.
A boca de Carlos Soares,
19, tem 16 deles. Custaram
cerca de R$ 2.000, no total.
Carlinhos, como é conhecido, nunca foi à escola, mas
planeja começar a estudar.
"Quero ler as placas e as coisas que estão nos livros", diz.
A escolaridade é uma das
principais preocupações das
autoridades no que diz respeito aos grupos ciganos.
"O jovem se muda muito e
tem dificuldades para estudar", diz Perly Cipriano, subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos
do governo federal.
Já Nicolas Ramanush, presidente da ONG Embaixada
Cigana, aponta outra dificuldade. "Quando conseguem
se matricular na escola, são
maltratados e não voltam."
Carlinhos confirma o preconceito. "Pensam que somos ladrões." Para se defender, recorre à língua dos ciganos, que funciona como código secreto (veja ao lado).
Não há informações oficiais a respeito de quantos
brasileiros são ciganos hoje.
Dados do IBGE apontam apenas que há acampamentos
em 290 cidades do país. "Há
quem fale em 300 mil, 400
mil indivíduos", afirma Perly
Cipriano. "Mas não podemos
afirmar com certeza."
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