UOL


São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

"Ken Park" aborda adolescentes encurralados por adultos

Quando não há para onde fugir

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Na vida, nem tudo se pode escolher. Há coisas que fogem à nossa vontade. Uma delas é a família -um presente que não podemos recusar, mesmo que não seja de nosso agrado.
"Ken Park", filme do controverso Larry Clark que estréia no início de dezembro, trata justamente da "sobrevivência à família", como gosta de dizer o diretor, e cutuca a ferida em que não se quer tocar: o lado podre dessa instituição que se esconde sob o preceito moral de que o lar e os pais próximos são o grande alicerce da juventude.
Clark atribui à família desestruturada o papel de vilã da vida dos jovens -que, no filme, ora conseguem cair fora de um ciclo atordoante, ora não sobrevivem aos pesadelos que ele proporciona.
"A família é um acidente na vida. E o jovem tem de se livrar dela, seja ela boa ou não. Caso contrário, a vida não ganha um sentido próprio", comenta Rosely Sayão, psicóloga, consultora em educação e colunista da Folha. "Mas não se pode dizer que a família seja a grande culpada por todos os problemas do jovem. Não se pode desconsiderar a liberdade de escolha que começa a ser exercida na adolescência", pondera.
Juventude transviada
A saga de "Ken Park" começa com o suicídio de um garoto (o próprio Ken Park) em uma pista de skate na cidade de Visalia, na Califórnia. A partir daí, o filme acompanha quatro de seus amigos, cada um com uma história mais absurda que a outra, de olho na tríade hipocrisia americana, conflito de gerações e hormônios atropelados.
Shawn (James Bullard) adora sua namoradinha da escola, mas, enquanto ela vai à aula, ele passa horas transando com sua "sogra" e comparando as performances da mãe e da filha. Claude (Stephen Jasso) passa por momentos difíceis com seu padrasto durão, que adora malhar, beber caixas de cerveja e fazer outras coisas que é melhor nem dizer aqui. Tate (James Ransone) detesta seus avós, com quem vive, porque, além de trapacearem nos jogos de tabuleiro, insistem em entrar no seu quarto sem bater. Peaches (Tiffany Limos) tem um pai ultra-religioso e carinhoso, que se transforma em um maluco depois de flagrá-la na cama com seu coleguinha de missa.
O filme segue a linha dos polêmicos "Kids" e "Bully", mas abusa de cenas de sexo e de violência. Foi banido da Austrália e, no Brasil, foi classificado como impróprio para menores de 18 anos. "A verdade é mais cruel do que o cinema a retrata, por isso meus filmes parecem atordoantes", declarou o diretor à Folha, em 2002.
Com "Ken Park", Clark tem sido acusado de transitar no limite entre a abordagem da realidade crua e a pornografia adolescente. O diretor usa imagens explícitas de sexo, de abuso, de violência doméstica e de masturbação sem motivo maior. A idéia, já caduca -tanto devido a seus próprios filmes quanto a dezenas de outras produções ácidas-, é mostrar a decadência da sociedade americana, que esconde a sujeira debaixo do tapete e dos discursos moralistas. Novidade não há. Mas, se o objetivo de Clark era chocar, isso ele consegue.



Texto Anterior: Os riscos do excesso de malhação e dos suplementos
Próximo Texto: Panorâmicas: Faculdade para negros em SP
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.