São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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comportamento

Meu irmão é diferente

Jovens contam como é ter um irmão na cadeira de rodas, cego, surdo ou com Síndrome de Down

Patricia Stavis/Folha Imagem
Mellina Yonashiro, 16 (de camiseta branca), e sua irmã Marina, 14, que ficou cega

DÉBORA YURI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Mellina virou uma expert na arte de descrever pessoas -especialmente meninos.
Diego passou a freqüentar shopping, o que antes lhe dava "dor de cabeça". Yago especializou-se em tirar dúvidas de português. Para os adolescentes, ter um irmão com deficiência significa alterar cedo seu papel na família e mudar a rotina.
"Antes mesmo de eu aprender a falar, aprendi a linguagem dos sinais", conta Yago Vitagliano Costa, 16. Sua irmã, Aryane, 18, nasceu surda. Os dois fazem "muita coisa" juntos: conversam, nadam, usam o computador, jogam futebol.
"A Aryane é mais inteligente do que eu em quase tudo, só preciso ajudá-la nas lições de português. No futebol, ela detona, o técnico a chama de "Garrincha de saias". Aprendi que todo mundo tem limitações, cada um tem as suas", diz Yago.
Conviver com um irmão com deficiência, seja ela física, intelectual, auditiva ou visual, significa, também, aprender a ser responsável com pouca idade. E uma das responsabilidades é social, já que, na adolescência -quando todo mundo quer paquerar, ter amigos e ser aceito-, o irmão se torna uma figura ainda mais importante.
"Os meus amigos se aproximaram dela, e hoje são os amigos dela. Eu me preocupo com isso, porque ela é uma pessoa caseira, fechada, difícil de fazer amizades", diz Mellina Yona- shiro, 16, sobre a irmã, Marina, 14. Há dois anos, Marina teve um tumor cerebral, que foi removido, mas afetou o nervo óptico. Ficou cega.
Além de mudanças pontuais que a família enfrentou, como trocar de casa e escola, Mellina conta que a irmã virou peça central em sua agenda.
"Minha mãe trabalha, então ela passa a tarde comigo. Eu ando com ela pelo bairro, levo-a para eventos culturais, aulas de braile. Irmão é para orientar, nessa idade ela não ouve a minha mãe. Ela é minha melhor amiga e eu, a dela", diz.
Para Marina, a irmã "é meio como a minha segunda mãe, mas não é mãe". "Ela sabe quando me dar bronca e quando me falar parabéns, incentivar, e me ajuda muito nos estudos e no computador. Ainda não tenho coragem de sair na rua sozinha, mas saio com ela."

Naturalidade é trunfo
Em 2002, um ponto de ônibus caiu sobre as costas de Joyce de Oliveira, 18, que perdeu os movimentos das pernas.
No início revoltada, ela contou com a amizade do mais próximo de seus cinco irmãos, Diego, 20. "Quem fica mais comigo é ele, não é em todo lugar que meus pais podem ir. Só não falamos muito de meninos, porque ele é ciumento", conta ela, medalha de bronze no tênis de mesa nos Jogos Parapan-americanos do Rio, em 2007.
Fanática por futebol, Joyce passou a praticar tênis de mesa após o acidente. Diego a levava aos treinos, jogava com ela em casa e, quando a irmã começou a viajar para competir, decidiu acompanhá-la. Juntos, foram para Curitiba, Goiânia, Brasília, Rio, Argentina.
"Quando eu posso ir de avião, vou sozinha, mas não consigo de ônibus. É complicado para ir ao banheiro. Ele começou a trabalhar agora, mas me acompanha sempre que pode", diz.
Para manter a vida social de Joyce ativa, Diego ficou um tempo a carregando, literalmente, nas costas. "Agora eu dirijo, coloco ela no carro, tiro do carro, ponho na cadeira. A gente vai pra bares, shopping, parques. Eu nunca penso numa coisa para fazer sozinho, sempre incluo ela nos meus programas, pra ela não se abater."
Essa naturalidade em lidar com a deficiência é o grande trunfo do irmão, segundo Eduardo de Almeida Carneiro, presidente da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente). "Ele ajuda com naturalidade, não com piedade. Se há alguém capaz de arrastar um adolescente deficiente para a balada, é o irmão. Ele chega com o irmão trepado nas costas sem cerimônia, se for preciso."
Isso acontece porque, diferentemente dos pais, o irmão não se sente responsável pela deficiência e, muitas vezes, encara a realidade com mais aceitação, explica Carneiro.
"O irmão amadurece, aprende a se virar, pelo sofrimento e pela distância dos pais, que tiveram de dar mais cuidado ao filho com deficiência", completa a psicóloga Marilena Ardore, da Apae-SP (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo), co-autora do livro "Tenho um Irmão Deficiente, Vamos Conversar sobre Isto?".
Ela diz que é importante incluir o irmão na reabilitação e terapia. "A família toda precisa se estruturar após um abalo assim, senão os filhos ficam desestruturados para tudo."

Aprender a dosar o tempo
A proximidade leva jovens que cuidam de irmãos com deficiência a adquirir novos gostos. Mellina passou a escrever e ler bastante -dois hábitos de Marina. Diego começou a ver jogos do Corinthians com Joyce, torcedora do time.
"E ela me faz companhia de madrugada, quando eu acordo cedo para ver partidas das seleções de vôlei, que é o meu esporte preferido", ele conta.
Dividir o tempo é tarefa mais complicada. Patrícia Dantas da Silva, 20, passou boa parte da adolescência cuidando da irmã caçula, Talita, 17, que tem Síndrome de Down -os pais trabalhavam. "Dos 10 aos 15 anos, levei e busquei a Talita na escola. Era muita responsabilidade, porque minha irmã não sabe se defender e eu era nova."
Ela aprendeu a dosar o tempo entre a sua vida e a da irmã. "Eu incentivo que ela faça coisas sozinha e respeito a minha vida pessoal. Saio sem ela, a gente não precisa ficar juntas sempre. Existe desde o jovem que acha o irmão deficiente um ET até aquele que não faz nada, só cuida do irmão. O melhor é apenas ser um bom irmão", diz.


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