São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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família

Pais e amor

Quatro décadas depois da explosão hippie, a geração "flower power" vê seus filhos crescerem

TATIANA DE MELLO DIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os pais de Satori, 19, e Lilás, 16, fundaram uma comunidade em que as pessoas vivem de luz.
Os pais de Luca, 20, são vegetarianos e frequentam a Igreja União do Vegetal, onde se consome o chá alucinógeno da planta ayahuasca.
O pai de Bárbara, 18, caiu na estrada nos anos 70 e ficou famoso por suas canções de rock rural. E a mãe de Andréa, 20, só tem uma regra: "Faça o que tu queres, pois é tudo da lei".
Sim, os hippies ainda existem. O mundo está bem diferente do que era na década de 60, mas eles continuam com os mesmos ideais: paz, amor e, principalmente, liberdade.
Você consegue se imaginar vivendo em uma família assim?
"Fomos criados segundo a linguagem universal do amor, sem organizações, sem regras de controle por meio da culpa", explica Satori Corrêa da Silva, 20, estudante de educação física e professor de ioga.
Ele e seus nove irmãos (com idades que vão de quatro meses a 24 anos) nasceram em uma comunidade em Soledade de Minas (a 370 km de Belo Horizonte), fundada por seus pais, Paulo, 57, e Elcy, 51.
Eles são adeptos da "alimentação prânica": acreditam que, após passar por uma preparação de 21 dias, o corpo entra em uma frequência energética em que alimentos não são mais necessários e é possível sobreviver apenas alimentando-se de luz -ou, como preferem, de "prana" (energia cósmica).
Quando não "comem" luz, eles são adeptos da dieta vegetariana. Fora isso, os irmãos estudam, viajam, navegam na internet e ouvem música.
E os amigos da escola, não acham esquisito? "Eles acham massa. Alguns dizem que queriam viver como nós", diz.
Outro que vive diferente é Luca da Fonseca, 20. Ele mora em São Paulo, mas acredita habitar a Sociedade Alternativa.

Mais humanos
Os pais de Luca, Marco Lopes e Silvia, abriram há dois anos um espaço multicultural na Granja Viana, em Cotia (SP).
Eles embarcaram na vida alternativa nos anos 1980, praticando meditação. Pouco depois, a família conheceu o Santo Daime, igreja criada no Acre no início do século passado, em cujos cultos se consome o chá alucinógeno de ayahuasca.
Luca e seus irmãos, Caio, 22, e Iara, 17, cresceram consumindo o chá. Ele acha que a educação "espiritual" foi importante no crescimento.
Os três filhos seguem o jeito alternativo dos pais, mas trabalham. Caio é produtor musical; Luca estuda geografia e dá aulas de ioga e a filha mais nova, Iara, vai apresentar em breve uma peça de teatro na Suíça.
"Eu acho que nossos filhos são mais humanos", diz Silvia.
Sociedade Alternativa também é a casa de Andréa Silva, 20. Sua mãe, Cristina Silva, 49, instituiu como regra um trecho da música homônima, do roqueiro Raul Seixas: "Faça o que tu queres, pois é tudo da lei".
Cris saiu Brasil afora aos 14 anos, viajando numa Kombi e vendendo livros. A filha Andréa é diferente: gosta da cidade, arruma-se como "patricinha" e de vez em quando é mais responsável do que a mãe.
"Eu falo para ela: "Mãe, tem louça na pia'", diz. Há sete anos, sua mãe abriu o Simplão de Tudo, camping e bar em Paranapiacaba (a 45km de São Paulo), que ela diz ser "um dos últimos refúgios hippies".
Lá, rolam shows de rock nos finais de semana, sempre cheios de amigos da filha -eles dizem que adorariam ter uma mãe igual a Cris: superliberal.
Os amigos de Bárbara Rodrix, 18, também vivem na casa dela. Bárbara sempre levou gente para casa e deu festas de arromba, sem problemas.
Ela é filha do músico Zé Rodrix, que nos anos 70 desbundou, virou hippie e caiu na estrada com Sá e Guarabyra. Zé morreu na última sexta-feira, semanas após falar com o Folhateen sobre a criação da filha.
Bárbara resolveu ser cantora aos 11 anos e até agora não pensa em cursar faculdade. "Para mim, é importante não fazer com meus filhos o que meu pai fez comigo, que foi me obrigar a estudar direito", explicou o pai.
Isso é bom, garante Bárbara: "Quanto mais liberdade o meu pai dá, mais responsável e apta a tomar as decisões eu fico".
A VJ da MTV MariMoon, 26, acha que filhos de pais hippies são mais maduros. A mãe dela virou hare Krishna e hoje vive em um sítio a 167 km de SP.
"Todo mundo tem uma fase em que começa a fumar, aos 14. Eu não. Até os 22 anos, eu não bebia álcool", conta. Mari é vegetariana por causa da mãe.
Quando tinha 16 anos e cabelos sem tintura, a família toda foi para a Índia, em uma viagem espiritual. "Eu acho que a minha mãe me fez crescer sem nenhum preconceito, com a cabeça aberta."

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