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família
Pais e amor
Quatro décadas depois da
explosão hippie, a geração "flower power" vê seus filhos crescerem
TATIANA DE MELLO DIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os pais de Satori, 19, e
Lilás, 16, fundaram
uma comunidade
em que as pessoas
vivem de luz.
Os pais de Luca, 20, são vegetarianos e frequentam a Igreja
União do Vegetal, onde se consome o chá alucinógeno da
planta ayahuasca.
O pai de Bárbara, 18, caiu na
estrada nos anos 70 e ficou famoso por suas canções de rock
rural. E a mãe de Andréa, 20, só
tem uma regra: "Faça o que tu
queres, pois é tudo da lei".
Sim, os hippies ainda existem. O mundo está bem diferente do que era na década de
60, mas eles continuam com os
mesmos ideais: paz, amor e,
principalmente, liberdade.
Você consegue se imaginar
vivendo em uma família assim?
"Fomos criados segundo a
linguagem universal do amor,
sem organizações, sem regras
de controle por meio da culpa",
explica Satori Corrêa da Silva,
20, estudante de educação física e professor de ioga.
Ele e seus nove irmãos (com
idades que vão de quatro meses
a 24 anos) nasceram em uma
comunidade em Soledade de
Minas (a 370 km de Belo Horizonte), fundada por seus pais,
Paulo, 57, e Elcy, 51.
Eles são adeptos da "alimentação prânica": acreditam que,
após passar por uma preparação de 21 dias, o corpo entra em
uma frequência energética em
que alimentos não são mais necessários e é possível sobreviver apenas alimentando-se de
luz -ou, como preferem, de
"prana" (energia cósmica).
Quando não "comem" luz,
eles são adeptos da dieta vegetariana. Fora isso, os irmãos estudam, viajam, navegam na internet e ouvem música.
E os amigos da escola, não
acham esquisito? "Eles acham
massa. Alguns dizem que queriam viver como nós", diz.
Outro que vive diferente é
Luca da Fonseca, 20. Ele mora
em São Paulo, mas acredita habitar a Sociedade Alternativa.
Mais humanos
Os pais de Luca, Marco Lopes
e Silvia, abriram há dois anos
um espaço multicultural na
Granja Viana, em Cotia (SP).
Eles embarcaram na vida alternativa nos anos 1980, praticando meditação. Pouco depois, a família conheceu o Santo Daime, igreja criada no Acre
no início do século passado, em
cujos cultos se consome o chá
alucinógeno de ayahuasca.
Luca e seus irmãos, Caio, 22,
e Iara, 17, cresceram consumindo o chá. Ele acha que a educação "espiritual" foi importante
no crescimento.
Os três filhos seguem o jeito
alternativo dos pais, mas trabalham. Caio é produtor musical;
Luca estuda geografia e dá aulas de ioga e a filha mais nova,
Iara, vai apresentar em breve
uma peça de teatro na Suíça.
"Eu acho que nossos filhos
são mais humanos", diz Silvia.
Sociedade Alternativa também é a casa de Andréa Silva,
20. Sua mãe, Cristina Silva, 49,
instituiu como regra um trecho
da música homônima, do roqueiro Raul Seixas: "Faça o que
tu queres, pois é tudo da lei".
Cris saiu Brasil afora aos 14
anos, viajando numa Kombi e
vendendo livros. A filha Andréa
é diferente: gosta da cidade, arruma-se como "patricinha" e
de vez em quando é mais responsável do que a mãe.
"Eu falo para ela: "Mãe, tem
louça na pia'", diz. Há sete anos,
sua mãe abriu o Simplão de Tudo, camping e bar em Paranapiacaba (a 45km de São Paulo),
que ela diz ser "um dos últimos
refúgios hippies".
Lá, rolam shows de rock nos
finais de semana, sempre
cheios de amigos da filha -eles
dizem que adorariam ter uma
mãe igual a Cris: superliberal.
Os amigos de Bárbara Rodrix, 18, também vivem na casa
dela. Bárbara sempre levou
gente para casa e deu festas de
arromba, sem problemas.
Ela é filha do músico Zé Rodrix, que nos anos 70 desbundou, virou hippie e caiu na estrada com Sá e Guarabyra. Zé
morreu na última sexta-feira,
semanas após falar com o Folhateen sobre a criação da filha.
Bárbara resolveu ser cantora
aos 11 anos e até agora não pensa em cursar faculdade. "Para
mim, é importante não fazer
com meus filhos o que meu pai
fez comigo, que foi me obrigar a
estudar direito", explicou o pai.
Isso é bom, garante Bárbara:
"Quanto mais liberdade o meu
pai dá, mais responsável e apta
a tomar as decisões eu fico".
A VJ da MTV MariMoon, 26,
acha que filhos de pais hippies
são mais maduros. A mãe dela
virou hare Krishna e hoje vive
em um sítio a 167 km de SP.
"Todo mundo tem uma fase
em que começa a fumar, aos 14.
Eu não. Até os 22 anos, eu não
bebia álcool", conta. Mari é vegetariana por causa da mãe.
Quando tinha 16 anos e cabelos sem tintura, a família toda
foi para a Índia, em uma viagem
espiritual. "Eu acho que a minha mãe me fez crescer sem nenhum preconceito, com a cabeça aberta."
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