São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007

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Punk como le gusta

Ex-Fugazi traz nova banda ao Brasil e garante que o punk jamais morrerá

SÁVIO VILELA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ao longo de quase três décadas, o americano Ian MacKaye expandiu o gênero punk rock para um método autônomo de produção artística. Se hoje o rock independente se vale de recursos como o controle de suas turnês e distribuição própria, é, em parte, graças a MacKaye.
Rejeitando a idéia de reduzir sua música a um mero produto, o sujeito é quase uma instituição da música independente. Fundador do selo Dischord, MacKaye tornou-se notório nos anos 90 por liderar o Fugazi, grupo que, completamente desvinculado dos aparatos das grandes gravadoras (MTV, distribuição em grandes lojas, publicidade etc.), vendeu milhões de discos.
Antes disso, liderava o Minor Threat, um dos principais expoentes do hardcore -e pai da filosofia straight-edge. E ainda há quem aponte o Embrace, outra banda de Mackaye nos anos 80, quando o assunto é a origem do emo. Mackaye atem-se firme aos preceitos que o tornaram conhecido: manter-se à parte do mainstream e não tocar em shows cujos ingressos custem mais do que US$ 10.
Com dois discos lançados, "The Evens" (2005) e "Get Evens" (2006), e uma abordagem quase folk do punk rock intricado típico de Mackaye, sua nova banda, o duo The Evens (com Amy Farina), inicia uma turnê por seis cidades brasileiras. O Folhateen falou com Mackaye pouco antes de ele fazer suas malas para o Brasil.

 

FOLHA - Você já disse que o Brasil mudou sua vida. É verdade?
IAN MACKAYE
- Sim. A primeira vez que fui ao Brasil foi em 1993, como técnico de baixo do L7, no Hollywood Rock, com Nirvana e Red Hot Chilli Peppers. Foi um jeito muito estranho de conhecer o Brasil. Assim que chegamos, tivemos uma reunião com a equipe de segurança que disse: "É muito perigoso, não saiam do hotel sozinhos". A reunião acabou e eu saí pela porta dos fundos e fiz uma caminhada de duas horas por São Paulo. Foi maravilhoso e não tive problema nenhum. Quando voltei com o Fugazi, em 1994, fizemos a turnê de carro para conhecer o país. Foi uma experiência incrível ver um país tão indefinível. O Brasil é o país dos paradoxos: o mais feio e o mais bonito, o mais rico e o mais pobre, o mais cruel e o mais alegre. Toda turnê é uma experiência profunda, mas no caso do Brasil foi mais. Não se compara com nenhum lugar do mundo em que estive.

FOLHA - The Evens atrairá algumas pessoas pelo legado que você construiu com o Fugazi e o Minor Threat. Isso incomoda?
MACKAYE
- Eu não me importo se minhas bandas anteriores despertam algum interesse. Mas, se vierem para ver essas bandas, vão ficar desapontados. O jeito que eu vejo é: você pode viver pela história ou você pode escrever uma nova. Estou sempre interessado em algo novo.

FOLHA - Nos shows, você toca sentado e interage muito com a platéia. A idéia disso é enforcar o aspecto comunicacional da música, de que você tanto fala?
MACKAYE
- Parte do motivo de eu tocar sentado é porque Amy está sentada atrás da bateria. E nós somos os Evens (os quites). Se eu estiver de pé, pode parecer que ela é só um músico de apoio. Mas a idéia também tem a ver com o fato que hoje tenho 45 anos e as pessoas se afastam do rock à medida que envelhecem. Mas é uma forma tão legítima quanto qualquer outra. Por que não apenas envelhecer e continuar a fazer sua música?

FOLHA - O punk está morto?
MACKAYE
- As pessoas falam: "O punk está morto", e eu digo: "Não, o seu punk está morto". O punk não morre. Aqui vai uma imagem: você está sentado na beira de um rio, vendo o fluxo, e percebe que, num ponto do seu curso, a água fica agitada porque está passando por cima de uma pedra. O rio é calmo, mas nesse ponto, borbulha e esguicha. Isto é punk rock. Enquanto houver mainstream, haverá underground. A coisa pode mudar de nome, mas nunca morre.

FOLHA - A internet tem alterado as regras da indústria musical. Aparentemente, está redemocratizando a música no mundo.
MACKAYE
- Talvez a coisa não seja tão revolucionária assim. Mas a idéia de a música poder escoar globalmente é bem interessante. Muitos de nossos discos não chegam ao Brasil e agora qualquer um com acesso a um computador pode comprá-los ou pegá-los de graça.
Nesse aspecto, internet é excelente. Não me importo com downloads gratuitos. Mas, sim, no mundo ocidental, onde muitas pessoas têm acesso a um computador, está acontecendo algum tipo de democratização.
Se a internet de fato destruir a indústria um dia, será como ver a União Soviética ruir. E ficarei mais do que satisfeito em ver minha pequena gravadora ruir junto. Não há por que temer, músicos sempre arranjaram um jeito de serem pagos.


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