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Punk como le gusta
Ex-Fugazi traz nova banda ao Brasil e garante que o punk jamais morrerá
SÁVIO VILELA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ao longo de quase três
décadas, o americano Ian MacKaye expandiu o gênero
punk rock para um
método autônomo de produção
artística. Se hoje o rock independente se vale de recursos
como o controle de suas turnês
e distribuição própria, é, em
parte, graças a MacKaye.
Rejeitando a idéia de reduzir
sua música a um mero produto,
o sujeito é quase uma instituição da música independente.
Fundador do selo Dischord,
MacKaye tornou-se notório
nos anos 90 por liderar o Fugazi, grupo que, completamente
desvinculado dos aparatos das
grandes gravadoras (MTV, distribuição em grandes lojas, publicidade etc.), vendeu milhões
de discos.
Antes disso, liderava o Minor
Threat, um dos principais expoentes do hardcore -e pai da
filosofia straight-edge. E ainda
há quem aponte o Embrace,
outra banda de Mackaye nos
anos 80, quando o assunto é a
origem do emo. Mackaye atem-se firme aos preceitos que o tornaram conhecido: manter-se à
parte do mainstream e não tocar em shows cujos ingressos
custem mais do que US$ 10.
Com dois discos lançados,
"The Evens" (2005) e "Get
Evens" (2006), e uma abordagem quase folk do punk rock intricado típico de Mackaye, sua
nova banda, o duo The Evens
(com Amy Farina), inicia uma
turnê por seis cidades brasileiras. O Folhateen falou com
Mackaye pouco antes de ele fazer suas malas para o Brasil.
FOLHA - Você já disse que o Brasil
mudou sua vida. É verdade?
IAN MACKAYE - Sim. A primeira
vez que fui ao Brasil foi em
1993, como técnico de baixo do
L7, no Hollywood Rock, com
Nirvana e Red Hot Chilli Peppers. Foi um jeito muito estranho de conhecer o Brasil. Assim que chegamos, tivemos
uma reunião com a equipe de
segurança que disse: "É muito
perigoso, não saiam do hotel
sozinhos". A reunião acabou e
eu saí pela porta dos fundos e
fiz uma caminhada de duas horas por São Paulo. Foi maravilhoso e não tive problema nenhum. Quando voltei com o
Fugazi, em 1994, fizemos a turnê de carro para conhecer o
país. Foi uma experiência incrível ver um país tão indefinível.
O Brasil é o país dos paradoxos:
o mais feio e o mais bonito, o
mais rico e o mais pobre, o mais
cruel e o mais alegre. Toda turnê é uma experiência profunda,
mas no caso do Brasil foi mais.
Não se compara com nenhum
lugar do mundo em que estive.
FOLHA - The Evens atrairá algumas
pessoas pelo legado que você construiu com o Fugazi e o Minor Threat.
Isso incomoda?
MACKAYE - Eu não me importo
se minhas bandas anteriores
despertam algum interesse.
Mas, se vierem para ver essas
bandas, vão ficar desapontados.
O jeito que eu vejo é: você pode
viver pela história ou você pode
escrever uma nova. Estou sempre interessado em algo novo.
FOLHA - Nos shows, você toca sentado e interage muito com a platéia.
A idéia disso é enforcar o aspecto comunicacional da música, de que você tanto fala?
MACKAYE - Parte do motivo de
eu tocar sentado é porque Amy
está sentada atrás da bateria. E
nós somos os Evens (os quites).
Se eu estiver de pé, pode parecer que ela é só um músico de
apoio. Mas a idéia também tem
a ver com o fato que hoje tenho
45 anos e as pessoas se afastam
do rock à medida que envelhecem. Mas é uma forma tão legítima quanto qualquer outra.
Por que não apenas envelhecer
e continuar a fazer sua música?
FOLHA - O punk está morto?
MACKAYE - As pessoas falam: "O
punk está morto", e eu digo:
"Não, o seu punk está morto". O
punk não morre. Aqui vai uma
imagem: você está sentado na
beira de um rio, vendo o fluxo, e
percebe que, num ponto do seu
curso, a água fica agitada porque está passando por cima de
uma pedra. O rio é calmo, mas
nesse ponto, borbulha e esguicha. Isto é punk rock. Enquanto
houver mainstream, haverá
underground. A coisa pode mudar de nome, mas nunca morre.
FOLHA - A internet tem alterado as
regras da indústria musical. Aparentemente, está redemocratizando a
música no mundo.
MACKAYE - Talvez a coisa não
seja tão revolucionária assim.
Mas a idéia de a música poder
escoar globalmente é bem interessante. Muitos de nossos discos não chegam ao Brasil e agora qualquer um com acesso a
um computador pode comprá-los ou pegá-los de graça.
Nesse aspecto, internet é excelente. Não me importo com
downloads gratuitos. Mas, sim,
no mundo ocidental, onde muitas pessoas têm acesso a um
computador, está acontecendo
algum tipo de democratização.
Se a internet de fato destruir
a indústria um dia, será como
ver a União Soviética ruir. E ficarei mais do que satisfeito em
ver minha pequena gravadora
ruir junto. Não há por que temer, músicos sempre arranjaram um jeito de serem pagos.
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