São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2004

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COMPORTAMENTO

Jogos on-line são futuro dos games e criam amizades que duram enquanto o jogo está na moda

Amigos territoriais

LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um novo tipo de amizade surge no mundo dos garotos gamemaníacos e freqüentadores de LAN houses. Essa galera se conhece sem nunca se encontrar pessoalmente e sem sequer ouvir a voz do camarada.
Toda a relação se passa no teclado do computador, e o assunto é um só: jogos on-line, a mais nova tendência do mercado de games para computadores. Nem mesmo os nomes são conhecidos, pois todo mundo que joga tem o próprio "nick" (de "nickname", que significa apelido, em inglês).
Nas LAN houses (casa de jogos de computador; a sigla LAN significa "Local Area Network"), os games em rede (jogados por pessoas que estão na mesma LAN, mas usando computadores diferentes) perdem a cada dia espaço para os chamados jogos on-line, nos quais você batalha com pessoas que estão em outras LAN, cidades e até mesmo países.
Portanto estar sozinho em frente à tela de um computador não significa estar só, já que você está em contato direto com algum japonês, coreano, australiano, americano ou mesmo com um "hermano" latino ou pessoas de outras cidades do Brasil.
Na última edição da feira de videogames E3, nos EUA, as grandes vedetes foram esses tipos de games, também conhecidos pela sigla MMORPG (Massive Multiplayer Online RPG, ou, em português, RPG on-line com presença maciça de multijogadores) ou MMO, como são chamados nas LAN.

Em rede x on-line
"Os jogos on-line estão ficando cada vez mais fortes e devem substituir alguns games, pois são mais fáceis de jogar em casa. Mesmo o "Counter Strike" [game popular, jogado, na maioria das vezes, em rede] está perdendo espaço para os jogos on-line", afirma o estudante de administração Ricardo Yonekura, 23, que freqüenta LAN houses há quatro anos.
Ele usa o "nick" Assassino e joga "GunBound", um game em que dois times de cinco jogadores cada um, de qualquer lugar do mundo, se enfrentam no mesmo cenário com armas e tiros.
"Com alguns jogadores, eu só converso sobre o jogo. Prefiro contato cara a cara, porque a internet mascara as pessoas. Não quero me envolver", diz Ricardo, que acha que os lançamentos novos tiram de moda games antigos, como o "Counter Strike", e fazem com que os jogadores mudem para outros jogos e desapareçam de vez.
Quem concorda com ele é o estudante de cursinho Alexandre Guilherme, 19, que usa o "nick" Monstro do Aquário. Alexandre vai a LAN houses há um ano e meio e joga, entre outros, "GunBound", "Counter Strike" e "Battlefield 1942".
"Tenho um amigo que joga no meu time de "GunBound" e mora em Vera Cruz, no México. Conversei pouco com ele no MSN [programa de mensagens instantâneas da Microsoft]. É um jeito de conhecer gente, mas as amizades não duram. Há 80% de chances de você nunca mais encontrar essas pessoas. São mais camaradas do que amigos. Prefiro chamá-los de amigos territoriais."
Para o estudante de ciência da computação Alexandre Sierra de Oliveira, 22, que joga há dois anos usando o "nick" Mephisto, é muito difícil manter a amizade. "Conversei recentemente com um brasileiro que mora no Japão. É muito difícil conhecer de verdade. Os jogos mudam rápido, e as pessoas deixam de jogar e perdem o interesse nesse tipo de amigo."
Quem também conhece gente do mundo inteiro, mas não é amigo de nenhuma dessas pessoas, é o estudante Fabio Rodrigues Sousa, 19. Ele curte jogar "GunBound" e faz isso em times que incluem peruanos, coreanos, bolivianos, japoneses e americanos. "Toda conversa rola em inglês, mas não rola amizade mesmo, só bate-papo rápido pela internet. Na minha lista de amigos, há um cara do Japão, Kenji, mas acho que ele é brasileiro."

Amizades reais
Não é regra que todas as amizades feitas em jogos on-line sejam superficiais. Há casos de amigos reais, que moram em diferentes cidades do país e que se conheceram pelo hábito de jogar games como "Counter Strike" (que também pode ser jogado on-line) e "Warcraft 3: Frozen Throne".
"Acho um lugar bom para conhecer pessoas. Fiz vários amigos, de dormir em casa e tudo. Tenho um que mora em Jundiaí [interior de São Paulo]. Amigo do colégio é para fazer trabalho. Amigo que conheci em LAN house é para sair", conta o estudante do 1º ano do ensino médio Carlos Puttini, 17, que joga desde 1998 e usa o "nick" K2 para se conectar.
Os estudantes Frederico Coppo, 16, de São Paulo, e Eduardo Ronaldi, 19, de Osasco, se conheceram pelos "nicks" Lele e Dahulz. Descobriram que freqüentavam a mesma LAN após virem seus nomes em uma partida de "Counter Strike" on-line.
"Hoje a gente sai junto, a mãe de um dá carona para o outro, dormimos na casa um do outro, saímos para jantar... Ficamos amigos do dia-a-dia", diz Frederico.


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