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escuta aqui
Sete dicas para quem quer ser crítico de música
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Na falta de coisa melhor para fazer na vida,
existe gente que almeja ser crítico de música! E muitos leitores com essa aspiração escrevem para "Escuta Aqui" pedindo dicas.
Sempre relutei em fazer esse tipo de "manual do crítico" porque, primeiro, nunca fui
nem sou crítico de música em tempo integral
e, segundo, desconfio de fórmulas prontas.
Mas os pedidos são muitos, então hoje vão
alguns toques.
1) Ouça música desesperadamente. Você
não precisa ser músico, saber diferenciar um ré de um mi.
Mas precisa ter conhecimentos históricos, entender de
onde vem o tipo de
música sobre o qual
você escreve e como as coisas evoluíram até
hoje. Só conhecer a discografia completa do
Weezer não basta.
2) Leia livros e revistas desesperadamente.
Você quer criar um estilo, certo? Então precisa ler montanhas de revistas e livros, de todos
os gêneros, para chegar a um jeito próprio de
escrever. Não adianta só ler "Escuta Aqui" e a
coluna do Lúcio Ribeiro na Folha Online. Assim, acaba virando clone. Mais um.
3) Aprenda inglês. Cerca de 99,99% do que
conta no chamado "mundo das artes" acontece em inglês. Se você não sabe a língua direito,
arrume outra coisa para fazer. Ser crítico de
música não dá.
4) Aceite sua insignificância. Ninguém
saudável compra ou deixa de comprar um CD
por causa de uma crítica. Em geral, críticas de
música são lidas por nerds, músicos e outros
críticos de música. O leitor normal -aquele
que tem uma vida, família, amigos etc.- está
pouco se lixando para o que o crítico pensa.
5) Não fique amigo de músicos. Bandas
-principalmente as mais novas- sofrem
muito. Dão shows sem ganhar nada, não conseguem divulgação etc. etc. Gravar um disco é
mais difícil ainda. Só que é melhor não se envolver com isso, senão você vai ficar com pena
dos músicos e fazer sua crítica com base nesse
contexto e não na simples audição do CD. Os
caras da banda podem ser gente boa, batalhadores e honestos, a baixista pode ser uma gostosa, mas, se fizeram um disco ruim, é isso o
que você tem de dizer.
6) Pratique a crítica destrutiva. Enfie uma
coisa na cabeça: você e os músicos ou você e as
gravadoras não estão no mesmo barco. E você
não tem papel algum na construção de nenhum tipo de cena. No Brasil, a prática do
compadrio e da "brodagem" é corrente entre
jornalistas, músicos e gravadoras. Todo mundo é amiguinho e se ajuda mutuamente. Gente talentosa perde tempo escrevendo só sobre
o que gosta ou finge que gosta. Fuja dessa.
7) Prepare-se para a realidade de uma redação. Pense naquele cara -ou moça- inteligente, moderno, que passa o dia escutando
música e, de vez em quando, escreve sobre
um CD que lhe chamou a atenção. Agora esqueça isso. As críticas assinadas são uma parte muito pequena do que o jornalista faz na
redação, o que inclui diagramar páginas, escrever títulos, bolar legendas de fotos, escrever matérias não-assinadas, preparar notinhas, reescrever textos dos outros, ser esculachado pelo chefe etc.
Tem mais coisa, mas
o espaço acabou.
Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
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