São Paulo, segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

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festas

Odeio Réveillon

Falsidade, felicidade forçada, obrigação de fazer alguma coisa: jovens contam por que não curtem a data

Patricia Stavis/Folha Imagem
Livia e Naskia acham a data triste

DÉBORA YURI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Todo mundo vestido de branco, confraternização, espumante a rodo, rituais de sorte como comer lentilha e pular sete ondas, música animada, contagem regressiva para receber o novo ano e abraços amigos à meia-noite em ponto.
Descrição da noite de Réveillon, certo? Errado. O estudante de biomedicina Egthor Souza Ramos, 19, prefere assim:
Todo mundo vestido igual, falsidade, gente bêbada ou querendo beber de graça em festas, simpatias bobas para dar sorte que não mudarão a sorte de ninguém, música irritantemente ruim, data escolhida aleatoriamente e abraços em gente que está pouco se importando com quem abraça.
"Eu odeio Réveillon. As pessoas vão às festas só para beber de graça. Riquinhos e gente falsa se reúnem. Pessoas que sumiram e que você não vê há mil anos falam que são seus amigos. Réveillon é pão e circo. E tédio", diz Egthor.
Ele prefere passar a noite de 31 de dezembro "com os amigos verdadeiros, os de sempre". Quando foi a festas comemorativas, usou preto. "Ficou um monte de gente me falando: "Você está deprimido? Pô, em pleno Réveillon você de preto? Você é louco?'", conta.
"Já discuti com os meus pais, porque eu queria passar um Réveillon sozinho em casa. Não me incomoda ficar sozinho nessa data", diz o estudante de engenharia Luciano Kowalski Casaroli, 18. "Geralmente eu tenho que passar com os meus pais, no meio de champanhe estourando e gente chata falando "Feliz Ano Novo!"."
Luciano tem boas recordações da virada de ano que passou em casa, na companhia apenas da irmã. "Ficamos no computador, vendo TV. Não sou extremista, não odeio o Réveillon por protesto. Só não acho uma data importante. A virada do ano só é virada do ano porque a gente usa o calendário gregoriano", diz ele.
Sua irmã, a estudante de turismo Marcele Kowalski Casaroli, 23, critica o lado comercial e a obrigação de ser sociável, de estar feliz e de ter muitos amigos. "Tudo fica mais caro, odeio quem se aproveita dessa data. Os estabelecimentos comerciais cobram preços absurdos, e as pessoas pagam", diz ela, que sente-se nervosa quando o dia 31 se aproxima.
"Você fica na obrigação de fazer alguma coisa, porque todo mundo vai fazer. Não pode querer ficar em casa, mas é só uma passagem de ano."
Marcele fica olhando para o teto das 21h às 24h. Na comunidade do Orkut "Eu odeio Réveillon e Ano Novo", alguns dos 235 membros viraram anos on-line, fazendo uma espécie de contagem regressiva dos que detestam a festiva data.

Dormir e comer em casa
"O ar dessa noite é carregado, negativo. As pessoas acham que é um dia em que têm que fazer tudo, beber, transar", diz Gabriela Morales Diaz, 22, uma crítica das obrigações que acompanham o 31/12. "Não rola união familiar, e todo mundo se sente obrigado a ser feliz."
Ela enumera outras razões para odiar o Réveillon: a música predominante é a baiana, os jovens ficam bêbados, acontecem acidentes nas estradas e com fogos de artifício, o trânsito fica insuportável nas praias... "Todo mundo vai para a praia porque acha que tem que ir para a praia, e as praias ficam lotadas, horríveis", lamenta.
Seu namorado, o vendedor Renato de Souza Pereira, 27, passa Réveillon sozinho desde os 21 anos.
"Fico em casa dormindo, comendo. Vou para a rua fazer o quê? Ficar recebendo abraços falsos? É um dia comum, e todo mundo que pisou na bola com você o ano inteiro vem desejar felicidades", diz ele, que, na quarta-feira, vai "aceitar" a companhia de Gabriela.
A data irrita porque as pessoas se reúnem apenas para se reunir, sem um motivo verdadeiro, na visão de Nayara Taborda, 18. "Muita gente que não olhou pra você durante o ano lhe abraça e deseja "Feliz Ano Novo". Não dá, é muita hipocrisia e falsidade juntas", diz ela.
As amigas Naskia Dalman, 19, e Lívia Castañeda, 18, não gostam dos sentimentos que a data suscita. "É triste. As pessoas falam "Ano Novo, vida nova", mas nada muda no outro ano", diz Naskia.
"A gente sempre acha que o próximo ano vai ser melhor, mas, quando vai comparar, ele acaba sendo pior ou igual. Você faz planos, e os planos de todos geralmente dão errado. E as pessoas vestem uma máscara", concorda Lívia.

Calcinha vermelha vale
Mas nem todas as situações-símbolo do Réveillon de quem gosta da data são desprezadas por quem não gosta. Egthor, por exemplo, não suporta ficar sozinho nesse dia. "A solidão bate mais no Réveillon, ficar sozinho não rola. É depressivo demais", admite. A pior coisa, para ele? "É quando todo mundo sai, viaja, e você não tem droga nenhuma para fazer."
Lívia acha que nada supera, em termos de "pior", as simpatias que supostamente dão sorte. "É muito idiota achar que vai atrair sorte porque comeu sete uvas e pulou sete ondas", diz ela, que usa roupas pretas no Réveillon -mas sempre passa a virada de ano com uma calcinha vermelha.
"Ela precisa ser vermelha, porque eu preciso de amor nesta vida", justifica Lívia. Mas, espere, calcinha vermelha no Réveillon não é mais uma simpatia idiota? Vai entender...


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