São Paulo, segunda, 31 de maio de 1999

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free way
Discursos de formatura

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

À medida que se aproxima o dia da minha formatura, começa a me dar um frio na barriga -só de pensar em ter de aguentar as formaturas de faculdades diferentes e seus intermináveis discursos já sinto uma náusea. São todos sempre iguais. "Estamos agora terminando uma nova etapa, e blablablá entrar no mercado profissional, e blabla blargh, e desafios, e blaaargh, e felicidades, e progresso, e blaaaaargh, e uma família, e a realização dos sonhos de infância, e..." Vômito generalizado na platéia. Em uma época dominada pelo entretenimento, precisamos de alguns discursos mais inspirados. Seguem algumas sugestões de estilo para que os futuros oradores não caiam na modorra:
Xuxa - Queria mandar um beijinho pra minha mãe, pro meu pai e pra você.
Politicamente correto - Queria repartir este diploma com todos os deficientes físicos e mentais que não tiveram a oportunidade de cursar esta instituição, pois é a eles que devemos nosso sucesso e é por eles que devemos trabalhar no futuro.
Politicamente incorreto - Este canudo vai pros abobados, que deixaram a minha vaga aberta, pros anões, que não conseguiram se inscrever por não alcançar o balcão, pros balofos, que não passavam pela porta, pros cegos, que acharam mesmo que podiam acompanhar o pique lendo braile, e também pro professor Gilberto, que, apesar de bicha e manco, é uma grande pessoa.
Comuna - Temos de dividir este pedaço de papel que nos dá acesso aos meios de produção com os marginalizados, os oprimidos por uma superestrutura desigual e desumana. Vamos criar uma sociedade solidária, em que todos possam comer a professora Vera Lúcia sem culpas.
Ecochato - É um absurdo que ainda façam diplomas de papel. Sabem quantas árvores são destruídas todo ano para imprimir estes diplomas? Silêncio. E quantas plantas de guaraná cerebral são arrancadas durante a época de provas pra que a gente fique acordado? Roncos na platéia. Nós vivemos em um mundo que não vai sobreviver até os nossos filhos terem idade suficiente pra cursar a universidade. Mais roncos. E vocês ignoram isso? Oh, não há solução, vou me suicidar para salvar Gaia. Aplausos e gritos de "a-ti-ra, a-ti-ra".
Feminista - Passamos quatro anos de nossas vidas vivendo em uma instituição patriarcal, onde o professor significa a extensão da figura paterna e as mulheres são tratadas de forma depreciativa só porque as não-engajadas ficam retocando a maquiagem na aula e as engajadas estão engajadas com outras engajadas! É um abuso! E ainda, quando nos formamos, recebemos este canudo, um claro simbolismo do falo que nos oprime. É um absurdo ! Aqui pra vocês, ó! Levanta a toga e balança um pênis de borracha, pra delírio geral.
Anarquista - E vocês acham que eu vou reconhecer a legitimidade desta instituição só por vocês me darem este diploma?
Existencialista - Será que eu mereço este diploma? Por que eu? Aliás, quem sou eu? O que sou eu? Eu existo? Manhêêê!!
Lacônico - Valeu.
Lacônico, variações regionais - No Rio: Maneiro, aí; na Bahia: (Não chegou em tempo pra cerimônia... mucha preguiça); em São Paulo: Noooooooossa.


Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA, e-mail: desembucha@cyberdude.com



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